quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Alberto Carneiro



Tem 70 anos e expõe a sua arte há mais de quarenta, em Portugal e no estrangeiro. Vive na terra onde nasceu, na aldeia do Coronado, Trofa, envolvido pela natureza original e vigorosa de um vale entre o Douro e o Minho. «A Natureza sonha nos meus olhos desde a infância», diz Alberto Carneiro, o artista plástico que tem vivido com a natureza uma relação íntima, dialogante e de mútua revelação: olha a terra, os vimes, os troncos, as raízes e as pedras para descobrir-lhes o que ainda lá não está, e redescobrir-se, ser humano, mostrando-o ao mundo.

«Perante a obra o espectador completa-a na medida em que a re-faz sua», escreve Bernardo Pinto de Almeida no álbum Alberto Carneiro – Lição de Coisas. É uma magnífica monografia editada no âmbito do «Prémio de Artes Casino da Póvoa 2007», que recentemente distinguiu o artesão da natureza, cuja arte, em época de urgência pelo respeito ambiental, é uma lição maior.
No valor de 30.000 euros, o «Prémio de Artes Casino da Póvoa» está na sua segunda edição, tendo distinguido na anterior o incontornável Nikias Skapinakis, que kaminhos referenciou (ver artigo relacionado). Para além da presente Monografia, uma vez mais com a chancela da Campo das Letras em parceria com o Casino da Póvoa, o Prémio incluiu também a Exposição Antológica do autor – Manifesto –, que esteve patente na Cooperativa Árvore, no Porto.

Alberto Carneiro – Lição de Coisas é um álbum de luxo com 242 páginas, com oito capítulos temáticos e a Biografia de Alberto Carneiro, antecedidos de uma majestosa Introdução. Está repleto de fotografias de alta definição de desenhos, projectos de esculturas, exposições e instalações do artista, tudo enquadrado pela excelência do texto do Historiador de Arte e Professor Catedrático Bernardo Pinto de Almeida, incansável na interpretação e divulgação da arte que por cá se faz, e a quem, por tudo isto, a Cultura portuguesa deve muitíssimo.

Nas antigas filosofias orientais, Taoísmo, Zen e no pensamento de Lao-Tsé, Alberto Carneiro encontrou o processo de construção da sua mandala, o caminho da reflexão interior, a busca da sua consciência e iluminação que aplicou no acto criativo: uma prática filosófica «que requer profunda iniciação e que se liga com o conhecimento do corpo e da mente e da sua inter-relação, bem como a relação destes com o cosmos de que somos também nós manifestações a um nível microcósmico», escreve Bernardo Pinto de Almeida.

Designando a obra do artista como «política ou ecologia do sensível», que não investe «na transformação do mundo, mas na transformação da própria consciência», Pinto de Almeida aponta-lhe consequências maiores: «proporcionar ao espectador não um lugar passivo mas um lugar activo, em que a obra se lhe chegue a revelar como um caminho de iluminação da sua própria consciência, instrumento com que pode, por sua vez, actuar sobre a obra.».

Actuando sobre a paisagem numa intervenção estética, o artista transforma o objecto-natural numa segunda natureza; assim, refere o texto: «o artista (a arte)» é «um mediador entre natureza primeira, a natureza-natural, e a natureza segunda, artificial, que é a verdadeira natureza do ser humano».

Neste projecto de encontros do homem com naturezas, sempre em busca da sua identidade, estão as composições O Canavial: memória-metamorfose de um corpo ausente, 1968, Uma floresta para os teus sonhos, 1970, Um campo depois da colheita para deleite estático do nosso corpo, (1973-76), com palha de centeio ou trigo e de feno, Os sete rituais estéticos sobre um feixe de vimes na paisagem, 1975, entre muitas outras apresentadas, de forma minudente, neste álbum.

«O teu corpo reflectido nesta obra como imagem transforma-se em arte na percepção estética de ti mesmo», escreveu Alberto Carneiro no aforismo que acompanha a composição «Meu Corpo Árvore». Com efeito, os planos da consciência, o «vigor orgânico» das esculturas talhadas na madeira, a emoção estética do corpo, água, vento e fogo inscritos na madeira ou na pedra provocam no espectador estranheza e surpresa perante a originalidade e o mistério da luz experimentada.

Imprescindível, o presente álbum é um subsídio para a compreensão da obra do artista, esclarece as obras mais enigmáticas de um percurso criativo assim explicado pelo próprio artista: «Afinal saí pelo meu corpo. Corpo e mente. Unidades de corpo. Ela nele e ele por ela. Desenvolvimentos para o cosmos. (…) Pegar na montanha, na árvore, moldá-las em matéria arte e inscrever nela os gestos da memória do corpo sobre a terra – todos os caminhos, todas as viagens, todas as mudanças, todos os saberes, todas as inquietações…».

04-02-2008 Teresa Sá Couto

Nikias Skapinakis






EXPOSIÇÃO

A Arte maior de Nikias Skapinakis



«Nikias Skapinakis – Uma pintura desalinhada» é o título do magnífico álbum de luxo dedicado àquele nome maior das artes plásticas portuguesas, de ascendência grega, mas nascido em Lisboa em 1931, cidade onde vive e trabalha. Galardoado com o 1ºprémio de Artes Plásticas do Casino da Póvoa de Varzim, o maior do país no valor de 30 mil euros, entregue pela ministra da Cultura no passado sábado dia 16 de Dezembro, o artista tem neste livro mais uma grande homenagem.

Nikias, que em 2004 foi também galardoado com Prémio Amadeu de Sousa Cardoso, disse que «o papel do pintor termina no quadro. O que acontece depois é do domínio das circunstâncias». Dita a genialidade do pintor que a sua pintura desalinhada surja esculpida nesta jóia editorial a chegar às melhores livrarias do país, e daí acessível a todos.
«A pintura, quanto a mim, basta-se a si própria e exige uma espécie de dedicação apaixonada – senão, é melhor fazer outra coisa», disse Nikias Skapinakis numa entrevista ao JL. O presente livro – consequência do carácter democrático da Arte, que a retira do elitismo das Galerias –, contribui para iluminar aquela dedicação apaixonada; a abordagem crítica de Bernardo Pinto de Almeida, especialista em Teoria e História da Arte e actual administrador da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, possibilita-nos o enquadramento da vasta obra do pintor, um empenhado de toda a vida, distribuído em dez capítulos: «Nikias, 55 anos depois», «O lirismo expressionista e a consciência da Modernidade», «Figuração versus para-figuração», «A segunda série para-figurativa: das paisagens de “Vale dos Reis” à expressão do desenho», «O ponto metafísico», «A contenção monocromática», «A apologia da cor: A série dos cartazes», «Retratos verdadeiros e falsos retratos», «O desenho» e «A recuperação dos grafitti e as “Cortinas Mirabolantes”.

Segue-se um último capítulo dedicado à Biografia e Bibliografia do artista, coligem-se alguns textos de intervenção de Nikias veiculados por diversas fontes jornalísticas e que constam do Catálogo da Exposição “Prospectiva” realizada no Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves. Inclui-se, ainda, uma entrevista ao pintor, supra referenciada, editada no Jornal de Letras (JL), em Setembro de 2005, altura em que foi distinguido com o Prémio Amadeu de Sousa Cardoso.

«Se bem me lembro, o que caracterizava o Estado Novo era o tédio. À parte aspectos pontuais, a tragédia veio depois e não terá ainda terminado. Mas eu tinha como ponto de honra não perder a alegria de viver, isto é, não consentir que ma roubassem. José Gomes Ferreira resume talvez isso quando escreveu sobre mim: “amava os sabores do sistema e era anti-fascista”», disse Nikias em comentário a uma série de retratos da série melancólica, onde se inclui o «Tertúlia», de 1960 (na imagem à esquerda).

Se o pintor soube retratar como poucos esses sinais sociológicos caracteristicamente portugueses, a sua pintura assinala-se pelo constante movimento, numa estimulante invenção e reinvenção que o levou à procura de «um cada vez mais nítido domínio da cor» (pintura «O Pedido de Tréguas», de 1997, 2ª imagem à direita), a penetrar noutras dimensões da linguagem e exploração cromática. Uma pintura não abstracta, mas sim metafísica cujo diálogo se encontra neste livro de partilha e que é, também, uma homenagem à Cultura Portuguesa.

nota:
A edição, exclusivamente patrocinada pelo Casino da Póvoa e realizada em co-edição com a editora Campo das Letras, inicia uma colecção de livros de Arte associada ao Prémio de Arte Casino da Póvoa.

Nikias Skapinakis – Uma pintura desalinhada, Bernardo Pinto de Almeida; Editora Campo das Letras e Casino da Póvoa; Porto, 2006
18-12-2006 Teresa Sá Couto