São pixéis, milhões de pixéis. Juntos formam obras de arte criadas pelo NEvAr, um artista artificial desenvolvido ao longo dos últimos dez anos no Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Mas não será uma contradição falar-se de artista artificial? Um artista não é um criador, espontâneo e, por isso, natural?
Na verdade, e embora o tema não seja consensual, a evolução da ciência tem permitido que arte e tecnologia se aproximem. O NEvAr (Neuro Evolutionary Art), exemplo disso, é um programa informático que permite produzir obras de arte em computador baseadas no código genético de seres vivos.
O sistema começou a ser desenvolvido em 1997 por Penousal Machado e Amílcar Cardoso, no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Coimbra, e contou, nos últimos anos, com o contributo de cientistas da Universidade da Corunha. Trata-se de um programa informático constituído por dois módulos: um Criador, com capacidade para originar um imenso conjunto de imagens, e um Crítico, cujo papel pode ser desempenhado por uma rede neuronal ou com a intervenção do utilizador.
'O Criador é ‘cego’. Não tem qualquer conceito de arte, tem é a capacidade de se adaptar às preferências do Crítico e também de criar novas imagens', diz o coordenador do projecto, Penousal Machado. Já o Crítico 'pode ser artificial, isto é, um sistema computacional que consiga fazer certo tipo de juízos estéticos e, como tal, guiar a ferramenta autonomamente, ou um ser humano'. Do ponto de vista teórico, o Criador 'tem capacidade de gerar qualquer imagem: uma fotografia, um quadro de Van Gogh, imagens abstractas…'
O NEvAr baseia-se em algoritmos de inspiração biológica. 'Tal como na Natureza, há, ao longo do tempo, recombinação do código genético das imagens e um mecanismo de avaliação que permite que os programas mais aptos, segundo as preferências do utilizador, tenham mais probabilidade de sobreviver', afirma.
'Assumimos a natureza digital e artificial da obra, o pixel', diz Penousal Machado. 'Não pretendemos substituir os artistas nem os críticos de arte. O nosso objectivo é antes tornar o computador um veículo para a expressão artística e fazer da programação um instrumento para a produção de arte', revela. As obras de arte feitas de pixéis abrem caminho à área da criatividade artificial, numa altura em que a inteligência artificial é uma realidade bem aceite.
O sistema tem três modelos de funcionamento: interactivo, semi-autónomo e autónomo. No primeiro, o utilizador pode guiar a obra; no segundo, há uma interacção entre a orientação do utilizador e o computador; e no modo autónomo, o computador cumpre todo o processo. Para que a máquina pudesse fazer juízos estéticos, os investigadores programaram a aplicação com dois conjuntos de imagens: um de pintores famosos (Van Gogh, Picasso, Dalí ou Monet) e outro com imagens produzidas aleatoriamente em computador, e ‘ensinaram’ o sistema a distinguir entre ambos.
FICHA TÉCNICA
Nome: NEvAr (Neuro Evolutionary Art)
Ano de criaçãO: De 1997 a 2008
Produto: Software
Internet:
http://eden.dei.uc.pt/~machado/NEvAr/Site.htmInvestigadores: Penousal Machado e Amílcar Cardoso, do Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, e uma equipa de investigadores da Universidade da Corunha
Exposições: O NEvAr já expôs as suas obras nos EUA, em Espanha, Hungria, Itália, Rússia, entre outros países
Custos: Não contabilizados
PROJECTOS EM VÁRIAS ÁREAS
No Centro de Informática e Sistemas da Universidade de Coimbra (CISUC) estão em curso projectos em áreas tão diversas como Bioinformática, Informática Médica e Computação Ubíqua. Fundado em 1991, tem nove áreas de pesquisa (Ciência dos Computadores, Inteligência Artificial, Simulação e Informação, Tecnologias da Educação, Computação Adaptativa, Sistemas Confiáveis, Comunicações e Telemática, Bases de Dados, Sistemas de Informação e Sistemas Complexos e Evolucionários) e 150 investigadores, colaborando com a NASA, a Agência Espacial Europeia ou a Microsoft.
PROCESSOS
AUTOMÁTICO
Imagem gerada em modo automático, isto é, com o Criador baseado em programação genética e o Crítico baseado em redes neuronais artificiais, treinadas para distinguir entre um conjunto de imagens de autores famosos e um conjunto de imagens de menor valia estética.
DEMORADO
Imagem criada em modo interactivo. O utilizador assumiu o papel de Crítico, guiando o processo evolutivo. Esta obra implicou entre 50 a 100 populações, o que corresponde a cerca de duas horas de interacção com a ferramenta.
UTILIZADOR
No modo interactivo, o utilizador vai pontuando as imagens apresentadas pelo sistema e a partir desse juízo o NEvAr cria outras imagens e assim sucessivamente até se chegar à obra pretendida.
'NÃO É O FIM DOS ARTISTAS' (Penousal Machado, coordenador do projecto NEvAr)
CM – Esta ferramenta não poderá significar o fim do artista ou da obra de arte?
PM – Não é o fim dos críticos de arte nem dos artistas. O objectivo não passa por aí, mas por estudar as questões que estão relacionadas com a estética, a criatividade e a inteligência.
CM – Que aplicações, além da criação de imagens, tem este programa?
PM – As principais aplicações deste programa situam-se ao nível do crítico de arte artificial, que permite fazer a classificação automática de imagens, pesquisas de imagem baseadas nas características estéticas e poderá ser usado, por exemplo, em museus. Depois tem aplicações na área da fotografia, podendo funcionar como um sistema de aconselhamento que ajuda o utilizador a obter a melhor imagem.
CM – Está prevista a comercialização do NEvAr?
PM – Essa possibilidade só fará sentido no âmbito de um projecto financiado, porque tem custos elevadíssimos, mas é uma hipótese que estamos a explorar.
Cátia Vicente