Gayatri Gamuz
MadridARCO ARte COntemporáneo
Parece estranho, mas é mesmo assim. Muitos portugueses vão à ArCo, feira de arte contemporânea em Madrid, comprar obras portuguesas aos galeristas portugueses. Dos cerca de 150 mil visitantes, uns 15 mil serão oriundos de terra lusitana. "Mesmo pessoas que habitualmente não frequentam museus ou galerias visitam a ArCo", diz José Mário Brandão, da Galeria Graça Brandão (Porto). "É um pretexto para viajar, e nós, portugueses, gostamos de pretextos." Não se trata, portanto, de um fenómeno acidental, como o de alguém que compra uma fabulosa T-shirt em Londres e só mais tarde depara com a etiqueta Made in Portugal. Aqui a revelação é ante facto. Aliás, é intencional, pois parece que há quem, mesmo frequentando galerias em Portugal, prefira comprar na ArCo as obras que viu lá expostas. Ao galerista cabe o encargo de as voltar a trazer para Portugal e as entregar cá ao feliz comprador, o qual assim já pode dizer que comprou aquilo na ArCo.
Há várias razões possíveis para justificar essa tradição. Desde logo, obviamente, a falta de tempo para frequentar galerias. Depois, uma certa impressão de que as galerias levam o melhor do seu acervo aos eventos internacionais - não apenas à ArCo como à Feira de Basel (com extensão em Miami) e à Frieze em Londres, ainda mais importantes. Por último, há a vantagem de poder apreciar o que aqui se faz no contexto do que se faz em todo o mundo. Em torno da ArCo existe uma série de eventos paralelos, com uma feira concorrente (a Madrid Art Fair) e inaugurações em inúmeras galerias que aproveitam a presença maciça de apreciadores de arte na capital espanhola. Há também o lado social; inauguração com a presença dos reis (este ano vai o príncipe Filipe), almoços, jantares, conferências... "Esta é mais feira do que a de Basel ou a Frieze", diz José Mário Brandão. A vida nocturna também é importante, com cafés como o Chicote e o Cock a assumirem papel central.
12 galeristas portugueses vão à ArCo 09 mostrar os seus artistas
As pessoas que visitam a feira são as que se esperaria que fossem. Empresários, gestores, advogados, médicos e outros membros das classes trabalhadoras com algum disposable income e apetite cultural à medida. Quem circula pela ArCo não demora muito a dar por eles. A toda a hora se ouve falar a nossa língua, ainda que num tom de voz normalmente discreto, como é próprio de tal gente. Por vezes o conhecimento técnico impressiona. Na memória deste jornalista ficou uma conversa do ano passado sobre uma peça conceptual que consistia essencialmente numa enorme folha de papel dobrada em muitas partes. Essa folha tinha uma espécie de areia preta que se ia deslocando em diferentes sentidos. Quando a discussão atingiu o ponto em que alguém referiu a existência de uma peça semelhante algures no universo, o jornalista sentiu-se como o proverbial boi em frente ao palácio. Desesperado, foi em busca das familiares delícias da arte figurativa. Rapidamente as encontrou, pois a ArCo, ao fim e ao cabo, é um evento comercial, onde nem faltam primorosos retratos hiper-realistas a óleo.
Na arte contemporânea desapareceu o paradigma dominante. Passadas as grandes revoluções do século XX (surrealismo, dadaísmo, expressionismo abstracto, arte pop, etc.), entrou-se num período em que tudo é possível. Mais que possível, legítimo, no sentido de não haver ninguém, ou quase ninguém, que se atreva a dizer que aquilo não é arte.
Em 27 anos de existência, a ArCo mudou bastante. Transferiu-se da Casa del Campo para o recinto da Ifema e passou de evento essencialmente ibérico a uma feira que tenta cada vez mais atrair o grande coleccionador europeu e americano. Hoje em dia chama a atenção pela dimensão. Com cerca de 200 galerias, é uma feira grande e espaçosa. Trata-se de um espaço que, além da arte, é usado para mostrar móveis, automóveis e animais de companhia. Num dos andares ficam os standes maiores, no outro os mais pequenos, que não podem exceder 40 metros quadrados. Há também espaços de performances e conferências. "Como é feito em Madrid, é uma coisa altamente subsidiada - pelo governo, pela região, etc.", diz Carlos Carvalho, da galeria homónima. Há sempre um país convidado, e hoje em dia eles vêm com frequência do chamado mundo emergente. O ano passado foi o Brasil, este ano vai ser a Índia, um mercado que tem crescido exponencialmente ao longo dos últimos anos. 13 galerias e 50 artistas, seleccionados pelo curador Bose Krisshnamachari. Sendo este um assunto artístico e falando-se de Portugal, não podia faltar uma polémica sobre dinheiro. Este ano a polémica, como sempre, teve a ver com critérios. O Governo acha que foi generoso ao oferecer-se para, a título excepcional e em atenção à crise, cobrir os prejuízos que as galerias possam vir a ter até um limite de 20 mil euros. As galerias acham que o Estado tem obrigação de apoiar a internacionalização da arte portuguesa.
Para os artistas portugueses, esta é uma montra privilegiada para o mercado internacional
"A arte está bem, o mercado é que está mal", diz Luís Serpa, da galeria com o mesmo nome. "Pela primeira vez, a arte e as antiguidades não são refúgio. Deduzo que o cash-flow desapareceu." A crise nota-se na frequência e nas compras, sobretudo por parte dos institucionais. Para os galeristas, a ArCo já não é uma garantia de negócio, e o investimento tem de ser feito à medida. "Quando levava uma escultura de cinco metros de Rui Chafes, era uma aposta. Hoje em dia já não levo peças desse tamanho", diz José Mário Brandão.
Com todas as dificuldades, espera-se que a ArCo registe a habitual afluência maciça, uma afluência que já em tempos forçou Luís Serpa a fechar o stande com fita adesiva. E se isso significar que apareçam algumas pessoas a fazer observações e perguntas tontas, tanto pior. De resto, isso cada vez acontece menos. As mais comuns são do tipo: "Isto também eu fazia." Frederico Sequeira, da Galeria Mário Sequeira (Braga), conta que o ano passado apresentou uma instalação que incluía alguns livros no chão. "Isto está um bocado desarrumado", comentou alguém. Também há quem se queixe dos preços, o que em princípio é legítimo, nesta como em qualquer outra área de negócio. Uma vez, um visitante chegou ao stande de uma galeria espanhola e, vendo um quadro de Mark Rothko na parede, perguntou: "Por curiosidade, quanto é?" Sem se voltar, a galerista respondeu: "Por curiosidade, eu não estou aqui." Ainda falando em dinheiro, consta que a mulher de um primeiro-ministro português se escandalizou por haver artistas nacionais a um preço tão alto: "Vou já dizer ao meu marido!" Também há a história daquele miúdo que, vendo uma obra de Miró, perguntou quantos anos tinha o artista quando a fez. Nem todas as galerias reagem igualmente à crise. Algumas desistem de viajar, outras dão preferência a feiras que não a ArCo. Cristina Guerra, Filomena Soares, Paulo Amaro, Graça Brandão, Mário Sequeira, Pedro Oliveira, Presença, Quadrado Azul, Carlos Carvalho, Fonseca Macedo, Fernando Santos, António Henriques são, até nova ordem, os nomes dos resistentes. De 11 a 16 de Fevereiro, lá estarão elas na ARCOmadrid 2009 à espera dos clientes. Os habituais e os outros.
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Fevereiro de 2009
Há várias razões possíveis para justificar essa tradição. Desde logo, obviamente, a falta de tempo para frequentar galerias. Depois, uma certa impressão de que as galerias levam o melhor do seu acervo aos eventos internacionais - não apenas à ArCo como à Feira de Basel (com extensão em Miami) e à Frieze em Londres, ainda mais importantes. Por último, há a vantagem de poder apreciar o que aqui se faz no contexto do que se faz em todo o mundo. Em torno da ArCo existe uma série de eventos paralelos, com uma feira concorrente (a Madrid Art Fair) e inaugurações em inúmeras galerias que aproveitam a presença maciça de apreciadores de arte na capital espanhola. Há também o lado social; inauguração com a presença dos reis (este ano vai o príncipe Filipe), almoços, jantares, conferências... "Esta é mais feira do que a de Basel ou a Frieze", diz José Mário Brandão. A vida nocturna também é importante, com cafés como o Chicote e o Cock a assumirem papel central.
12 galeristas portugueses vão à ArCo 09 mostrar os seus artistas
As pessoas que visitam a feira são as que se esperaria que fossem. Empresários, gestores, advogados, médicos e outros membros das classes trabalhadoras com algum disposable income e apetite cultural à medida. Quem circula pela ArCo não demora muito a dar por eles. A toda a hora se ouve falar a nossa língua, ainda que num tom de voz normalmente discreto, como é próprio de tal gente. Por vezes o conhecimento técnico impressiona. Na memória deste jornalista ficou uma conversa do ano passado sobre uma peça conceptual que consistia essencialmente numa enorme folha de papel dobrada em muitas partes. Essa folha tinha uma espécie de areia preta que se ia deslocando em diferentes sentidos. Quando a discussão atingiu o ponto em que alguém referiu a existência de uma peça semelhante algures no universo, o jornalista sentiu-se como o proverbial boi em frente ao palácio. Desesperado, foi em busca das familiares delícias da arte figurativa. Rapidamente as encontrou, pois a ArCo, ao fim e ao cabo, é um evento comercial, onde nem faltam primorosos retratos hiper-realistas a óleo.
Na arte contemporânea desapareceu o paradigma dominante. Passadas as grandes revoluções do século XX (surrealismo, dadaísmo, expressionismo abstracto, arte pop, etc.), entrou-se num período em que tudo é possível. Mais que possível, legítimo, no sentido de não haver ninguém, ou quase ninguém, que se atreva a dizer que aquilo não é arte.
Em 27 anos de existência, a ArCo mudou bastante. Transferiu-se da Casa del Campo para o recinto da Ifema e passou de evento essencialmente ibérico a uma feira que tenta cada vez mais atrair o grande coleccionador europeu e americano. Hoje em dia chama a atenção pela dimensão. Com cerca de 200 galerias, é uma feira grande e espaçosa. Trata-se de um espaço que, além da arte, é usado para mostrar móveis, automóveis e animais de companhia. Num dos andares ficam os standes maiores, no outro os mais pequenos, que não podem exceder 40 metros quadrados. Há também espaços de performances e conferências. "Como é feito em Madrid, é uma coisa altamente subsidiada - pelo governo, pela região, etc.", diz Carlos Carvalho, da galeria homónima. Há sempre um país convidado, e hoje em dia eles vêm com frequência do chamado mundo emergente. O ano passado foi o Brasil, este ano vai ser a Índia, um mercado que tem crescido exponencialmente ao longo dos últimos anos. 13 galerias e 50 artistas, seleccionados pelo curador Bose Krisshnamachari. Sendo este um assunto artístico e falando-se de Portugal, não podia faltar uma polémica sobre dinheiro. Este ano a polémica, como sempre, teve a ver com critérios. O Governo acha que foi generoso ao oferecer-se para, a título excepcional e em atenção à crise, cobrir os prejuízos que as galerias possam vir a ter até um limite de 20 mil euros. As galerias acham que o Estado tem obrigação de apoiar a internacionalização da arte portuguesa.
Para os artistas portugueses, esta é uma montra privilegiada para o mercado internacional
"A arte está bem, o mercado é que está mal", diz Luís Serpa, da galeria com o mesmo nome. "Pela primeira vez, a arte e as antiguidades não são refúgio. Deduzo que o cash-flow desapareceu." A crise nota-se na frequência e nas compras, sobretudo por parte dos institucionais. Para os galeristas, a ArCo já não é uma garantia de negócio, e o investimento tem de ser feito à medida. "Quando levava uma escultura de cinco metros de Rui Chafes, era uma aposta. Hoje em dia já não levo peças desse tamanho", diz José Mário Brandão.
Com todas as dificuldades, espera-se que a ArCo registe a habitual afluência maciça, uma afluência que já em tempos forçou Luís Serpa a fechar o stande com fita adesiva. E se isso significar que apareçam algumas pessoas a fazer observações e perguntas tontas, tanto pior. De resto, isso cada vez acontece menos. As mais comuns são do tipo: "Isto também eu fazia." Frederico Sequeira, da Galeria Mário Sequeira (Braga), conta que o ano passado apresentou uma instalação que incluía alguns livros no chão. "Isto está um bocado desarrumado", comentou alguém. Também há quem se queixe dos preços, o que em princípio é legítimo, nesta como em qualquer outra área de negócio. Uma vez, um visitante chegou ao stande de uma galeria espanhola e, vendo um quadro de Mark Rothko na parede, perguntou: "Por curiosidade, quanto é?" Sem se voltar, a galerista respondeu: "Por curiosidade, eu não estou aqui." Ainda falando em dinheiro, consta que a mulher de um primeiro-ministro português se escandalizou por haver artistas nacionais a um preço tão alto: "Vou já dizer ao meu marido!" Também há a história daquele miúdo que, vendo uma obra de Miró, perguntou quantos anos tinha o artista quando a fez. Nem todas as galerias reagem igualmente à crise. Algumas desistem de viajar, outras dão preferência a feiras que não a ArCo. Cristina Guerra, Filomena Soares, Paulo Amaro, Graça Brandão, Mário Sequeira, Pedro Oliveira, Presença, Quadrado Azul, Carlos Carvalho, Fonseca Macedo, Fernando Santos, António Henriques são, até nova ordem, os nomes dos resistentes. De 11 a 16 de Fevereiro, lá estarão elas na ARCOmadrid 2009 à espera dos clientes. Os habituais e os outros.
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Fevereiro de 2009
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