sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pensar a arte, pensar a escola

Um livro que ando a ler e recomendo!

Exposições em Serralves


Cem peixes em bronze suspensos do tecto por cima de um enorme reservatório de água compõem a imagem fantástica com que o visitante do Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS), no Porto, se confronta assim que atravessa o átrio e passa a porta de acesso aos (outros) locais expositivos. É a única obra de que se faz a mostra de Bruce Nauman, norte-americano nascido em 1941, justamente intitulada Fonte de Cem Peixes. Fica patente de hoje a 6 de Julho.Metáfora do artista, se tomarmos em conta o título de uma das suas primeiras obras - O verdadeiro artista é uma maravilhosa fonte luminosa -, espanta desde logo pelo cruzamento do seu encanto físico, mecânico e sonoro com a leitura aparentemente absurda que proporciona: peixes ejectando o elemento onde sobrevivem. É na arte, afinal, que o artista cria.Erik van Lieshot, Anne-Lise Coste e Tatjana Doll são os autores da outra exposição que hoje é inaugurada em Serralves. Violência Institucional e Poética, patente até 13 de Julho, abre no próprio átrio do MACS com Up!, filme projectado na face lateral da escada de acesso à cafetaria, para ver a partir de modelos mutilados de automóveis classe média, como num drive-in decadente.O vídeo aborda sessões de psicoterapia efectuadas pelo autor da obra, van Lieshout, que expõe ainda Fantasy Me [na foto], registo de um encontro com uma chinesa em que, a troco de ensinar termos ingleses feministas, o artista recebe aulas de kung-fu. Violência física e verbal entre culturas distintas, projectada num grande candeeiro-balão chi- nês. Completam a sua mostra os filmes Lariam, exibido numa caixa de comprimidos, sobre a terapia de um farmacêutico ganês para a malária, e Rock, que evoca o novo-riquismo holandês - além de desenhos/quadros feitos com lápis e material plástico.Erik van Lieshot é holandês, Anne-Lise Coste francesa e Tatjana Doll alemã. Da segunda vemos marcas de tinta e cor sobre papel, parede ou outros suportes, agindo na fronteira entre escrita e significado, arte e comunicação, homem e macaco; da última temos quadros em tamanho real de camiões e comboios, paineis e pictogramas, num todo que desafia convenções sociais e artísticas - desde logo, e pelas dimensões, a do olhar.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

"Exposição Tecnologia com Arte e Mostra Interactiva de Ciência e Tecnologia"

Exposição Tecnologia com Arte e Mostra Interactiva de Ciência e TecnologiaPalácio Vila Flor
Entrada livre
No âmbito de mais uma iniciativa do Projecto Ciência na Cidade de Guimarães, será realizada hoje, dia 16 de Abril, às 18h30, uma visita guiada à Exposição “Tecnologia com Arte” e à “Mostra Interactiva de Ciência e Tecnologia” que estão patentes no Palácio Vila Flor. A Exposição “Tecnologia com Arte” pretende dar a conhecer a “beleza” latente no trabalho desenvolvido pelos diferentes departamentos da Escola de Engenharia da Universidade do Minho. Considerando que uma bela imagem é capaz de cativar a nossa atenção, de transmitir sensações e de ajudar a olhar para algo de um modo diferente, a exposição aborda o tema Engenharia associando o texto a imagens com uma forte componente estética.Os pormenores artísticos em equipamentos, processos produtivos, produtos usados e criados nos diferentes departamentos foram captados pela objectiva do fotógrafo para nos suscitar curiosidade, sensações, enfim, para nos permitir «ver» e «sentir» para além do rigor, da objectividade e da tecnologia existentes numa Escola de Engenharia. Comprova-se, assim, que Tecnologia e Arte andam associadas e podem encantar-nos de um modo muito especial. A “Mostra Interactiva de Ciência e Tecnologia” é um espaço lúdico e exploratório, especialmente concebido a pensar nos mais novos mas que agradará a jovens de todas as idades. Serão exibidas diversas experiências demonstrativas de princípios fundamentais da Física em âmbitos tais como o Electromagnetismo, a Mecânica e a Óptica. Também se fará a demonstração de algumas tecnologias actualmente empregues em domínios tais como a Produção de Energia Eléctrica – em particular, a que se baseia na utilização de energias renováveis – os Transportes, a Automação Industrial e a Domótica. Organização Universidade do Minho - Escola de Engenharia, Museu de Alberto Sampaio, Câmara Municipal Guimarães, A Oficina HorárioSegunda-Feira a Sábado10h00 às 12h3014h00 às 19h00Domingo14h00 às 19h00

quarta-feira, 16 de abril de 2008


23 DE ABRIL DIA MUNDIAL DO LIVRO


O LIVRO



Aqui
Tudo é permitido
Até sonhar
Posso morrer
E acordar
Posso tudo
Até ser rei
E beber, beber
Sem me embriagar
Aqui é tudo permitido
Ser vento
Recordação
Subir nu a uma nuvem
E desfazer-me em flocos de neve
Ser música
E embalar-te na íris do meu olhar
Aqui
Tudo é permitido
Seres minha
Rainha
Dançar
Posso ser tudo
E tu também
Aqui
Tudo
É permitido
Até chorar!
Viajo sem cessar
Aqui
Além
Para lá do horizonte
Aqui
Neste livro
Não estou só!
Sou eu
Sou muitos.


José Vieira
16 de Abril de 2008

BIOS4, un nuevo paradigma


BIOS4 es una exposición y una plataforma de información (Wikibiotics) alrededor de dos importantes segmentos del arte cognitivo y tecnológico actuales: el arte bio-tecnológico y el arte medioambiental. Desarrollados desde mediados de la década de los 80 del siglo XX, los antecedentes de estas tendencias artísticas se situan todavía en los años 50 y, en el caso particular de BIOS4, finales de la década de 60. La oportunidad de aventurarme en esta indagación sobre los orígines de un nuevo paradigma de las artes, salido del agotamiento de las vanguardias fenomenologistas del arte ‘moderno’ y ‘contemporaneo’, me la dió el Centro Andaluz de Arte contemporaneo y su director, Jose Lebrero Stalls, al invitarme para comisariar BIOS4.

Arte e conhecimento


terça-feira, 15 de abril de 2008

O fim da arte como conhecimento


Não temos a capacidade de destilar em palavras as experiências visuais que fazem o belo repousar naquilo que é apreendido pelo olhar. Uma obra de arte é tudo que ela contém: forma, textura, cor, linhas, conceitos, relações, etc. É aquilo que se vê, e o que se diz não corresponde exatamente ao que se vê. Não representa nada como imagem de outra coisa. E para ler um trabalho de arte é necessário se partir de um modelo (referências, informações...). Existem códigos a priori (aqueles utilizados pelo artista) e códigos a posteriori (aqueles utilizados pelo espectador).A virtude da arte é afirmar um conhecimento, propondo instrumentos que seduzem a inteligência. A invenção de uma linguagem é o resultado de um exercício paciente de contemplar outras linguagens. Como todo discurso é resultado de outros discursos. Exige-se um método. A arte é o que está além dos limites de tudo o que se considera cultura; não pode se restringir a um exótico experimento ou aparência da superfície de um trabalho, que fica para trás, como uma coisa vazia, no primeiro confronto com o olhar que pensa.A arte, entendida, como meio de conhecimento, hoje em dia, vem cedendo lugar a uma experiência ligada ao lazer e a diversão, que envolve outros profissionais como responsáveis pela sua legitimação: o curador, o empresário patrocinador e organizador de eventos, marchands, profissionais de publicidade, administradores culturais e captadores de recursos. Com as leis de incentivo a cultura e a presença marcante da iniciativa privada, paradoxalmente, levou a arte a um limite, o fim da obra, do trabalho ligado a um saber. E o artista, nem artesão e nem intelectual, sem dominar qualquer conhecimento, está cada vez mais sujeito ao poder do outro. As grandes mostras são grandes empreendimentos para atender à indústria do entretenimento (mais empresarial e menos cultural), que movimentam uma quantidade significativa de recursos e envolve um número assustador de atravessadores.As contradições modernidade/tradição, contemporâneo/moderno, neste início de século, cede lugar a uma outra contradição: artistas que pertencem ao metier e artistas estranhos ao metier, inventados por empresários da cultura, cujos trabalhos se prestam para ilustrar uma tese ou teoria imaginária de um suposto intelectual da arte e garantir o retorno do que foi investido pelo patrocinador e pelo comerciante de arte. Uma mercadoria fácil de investir, sem risco de perda, basta uma boa campanha publicitária. O artista pode ser substituído por um ou por outro, a obra é o menos importante. Aliás, é o que a indústria do marketing tem feito com as mostras dos grandes mestres como: Rodin, Manet, etc., pouco importa as obras desses artistas e sim o nome e o patrocinador. A publicidade leva consumidores/espectadores como quem leva a um shopping center. A quantidade de público garante o sucesso. O público é como o turista apressado, carente de lazer cultural que visita os centros históricos com o mesmo apetite de quem entra numa lanchonete para uma alimentação rápida.Na "sociedade do espetáculo", regida pela ética do mercado, o artista sem curador, sem marchand, sem patrocinador, é simplesmente ignorado pelas instituições culturais, raramente é recebido pelo burocrata que dirige a instituição. Seus projetos são deixados de lado. Também pudera, essas instituições, sem recursos próprios, tem suas programações determinadas pelos patrocinadores. Numa sociedade dominada pelo império do marketing, a realidade e a verdade são mensagens veiculadas pela publicidade que disputa um público cada vez maior e menos exigente. A vida é vivida na especulação da mídia, na pressa da informação. E neste meio, a arte é uma diversão que se realiza em torno de um escândalo convencional, deixando de lado a possibilidade do pensamento.O fantasma do "novo", que norteou a modernidade foi deslocado para o artista que está começando, pelo menos novo em idade, o artista/atleta, a caça de novos talentos e de experiências de outros campos sociais. Totens religiosos, a casa do louco, a rebeldia do adolescente... Tudo é arte, sem exigir de quem faz o conhecimento necessário. Todo curador quer revelar um jovem talento, como se a arte dispensasse a experiência. Um "novo", sinônimo de jovem ou de uma outra coisa que desviada para o meio de arte, funciona como uma coisa "nova". Um novo sempre igual, a arte é que não interessa. Praticamente trinta anos depois do aparecimento da chamada arte contemporânea no Brasil, recalcada nos anos 70 pelas próprias instituições culturais, um outro contemporâneo surgido nos anos 90 passou a fazer parte cotidiano dos salões, bienais, do mercado de arte, das grandes mostras oficiais e de iniciativa privada. Uma contemporaneidade sintomática.Estamos vivendo um momento em que qualquer experiência cultural: religiosa, sociológica, psicológica, etc. é incorporada ao campo da arte pelo reconhecimento de um outro profissional que detém algum poder sobre a cultura, (tudo que não se sabe direito o que é, é arte contemporânea). Como tudo de "novo" na arte já foi feito, o inconsciente moderno presente na arte contemporânea implora um "novo" e nesta busca insaciável do "novo", experiências de outros campos culturais são inseridos no meio de arte como uma novidade. Deixando a arte de ser um saber específico para ser um divertimento ou um acessório cultural. Neste contexto, o regional, o exótico produzido fora dos grandes centros entra na história da arte contemporânea. Nos anos 80, foi o retorno da pintura, o reencontro do artista com a emoção e o prazer de pintar. Um prazer e uma emoção solicitados pelo mercado em reação a um suposto hermetismo das linguagens conceituais que marcaram a década de 70. Acabou fazendo da arte contemporânea, um fazer subjetivo, um acessório psicológico ou sociológico. Troca-se de suporte nos anos 90 com o predomínio da tridimensionalidade: escultura, objeto, instalação, performance, etc., mas a arte não retomou a razão.Na barbárie da informação e da globalização, estamos assistindo ao descrédito das instituições culturais e da dissolução dos critérios de reconhecimento de um trabalho de arte. Tudo é tão apressado que acaba no dia seguinte, os artistas vão sendo substituídos com o passar da moda, ficam os empresários culturais e sua equipe. Uma corrida exacerbada atrás de uma "novidade", que não há tempo para se construir uma linguagem. O chamado "novo" é a experimentação descartável que não chega a construir uma linguagem elaborada, mesmo assim, é festejado por uma crítica que tem como critério de julgamento interesses pessoais e institucionais. A arte pode ser qualquer coisa, mas não são todos os fenômenos ditos culturais, principalmente os que são gerados à sombra de uma ausência de conhecimento.

AlmandradeSalvador, 20/6/2002

Arte?

Arte é o que se chama de arte?
Postado por Luciano Trigo em 11 de Dezembro de 2007 às 19:33
No dia 19 de novembro passado publiquei na Folha de S.Paulo um artigo sobre arte contemporânea. Como o artigo já gerou três réplicas e uma tréplica, no próprio jornal, e dezenas de mensagens e outras manifestações (a favor e contra), na antiga versão deste blog, acho interessante trazer para o G1 o debate, que está longe de se encerrar.
Não vou transcrever os posts e artigos, mas destacar seus trechos mais relevantes. Tudo começou quando li uma matéria do repórter Ivan Claudio na revista Isto é, que tomava como pretexto duas exposições para levantar questões sobre os rumos da arte contemporânea. Na instalação Ainda viva, a artista Laura Vinci espalhou sete mil maçãs sobre uma mesa de mármore branco e o chão de cimento de uma galeria; já Quebra-molas, de Débora Bolsoni, reproduzia um redutor de velocidade de automóveis feito com uma tonelada de massa de paçoca de amendoim. As duas instalações tinham em comum a deliberada efemeridade e o recurso a comestíveis como matéria-prima.
A revista pediu a Ferreira Gullar, poeta e crítico de arte, que comentasse as obras. Aspas:
Essa produção vai morrer aí e nem tem mesmo como sobreviver. (…) Trata-se da arte da boa idéia, da Caninha 51. Esse tipo de trabalho não tem artesanato, não tem técnica, não tem linguagem. Já se usou de tudo: balde, bacia, ovo frito. É uma falta de imaginação, uma grande bobagem que não me interessa. Prefiro ficar em casa lendo Hamlet.
As artistas se justificaram falando da transitoriedade das coisas vivas, de tentativas de simbolização etc.
Eu escrevi:
“A arte contemporânea é um tema em que é difícil tornar produtivo qualquer debate, pois sempre se cai num Fla-Flu, isto é, vira uma questão de adesão incondicional de torcedor, mais que de reflexão crítica. Dando nome aos bois, o que temos hoje são, de um lado, críticos, como Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant’Anna, que contestam a legitimidade e o valor de instalações como as de Laura e Débora, e de outro lado artistas que rejeitam em bloco este julgamento como reacionário e conservador. O problema não é saber quem está com a razão, mas constatar que desse atrito não sai nenhum desdobramento interessante. Por quê? Algumas hipóteses:
- Os artistas são auto-suficientes: ignoram solenemente crítica que os contesta.- Os críticos perderam a importância que tinham no processo de legitimação da produção artística.- Hoje, para um artista, importa muito mais se inserir numa rede de relações composta de curadores, marchands e galeristas do que obter reconhecimento crítico.
A noção de valor em artes plásticas é altamente subjetiva. Mas é também condicionada pelo contexto histórico-cultural e pelo modelo de relação entre economia e cultura que estiver prevalecendo. O sucesso de um artista hoje não depende somente, nem mesmo principalmente, do valor intrínseco do que ele produz, dos méritos plásticos ou estéticos de sua obra, mas sobretudo de sua capacidade de inserção num sistema complexo de seleção, que está cada vez mais distante da arte e cada vez mais próximo do mercado, do consumo e da moda - mesmo quando veste o surrado disfarce da transgressão, aliás outra palavra assimilada pelo mercado, pelo consumo e pela moda.
Tendo a simpatizar com as sete mil maçãs de Laura, o quebra-molas de paçoca de Débora me interessa menos. Mas isto é questão de gosto. O que parece preocupante é que esse tipo de produção - desligada da realidade, das questões contemporâneas, de compromissos, da História, do presente, em suma, da vida real – quase monopolize os espaços da arte hoje. É uma produção cujo principal defeito, para mim, é ser inofensiva. Pode até trazer fama, viagens e dinheiro a quem a faz, mas é disso que se trata?”
Ou seja, sem falar mal de ninguém, minha preocupação era analisar por que uma tendência dominante na arte contemporânea não reverbera e é recebida com indiferença fora de círculos fechados. Para minha surpresa, mesmo antes de sair no jornal este texto foi recebido a pedradas por um bocado de gente. O que de certa forma me dava razão: o debate sobre arte no Brasil era mesmo um diálogo de surdos.
No segundo capítulo da novela, já apoquentado pela leitura torta que estavam fazendo do meu texto, me atribuindo coisas que não disse e intenções que não tive, expliquei que só tinha levantado algumas hipóteses, sem em momento algum condenar, em bloco, a produção artística atual – o que seria uma idiotice. Escrevi:
“As duas instalações citadas (as maçãs e o quebra-molas de paçoca) pecam não pela controvérsia gratuita, ao contrário: pecam por serem obras inofensivas, fechadas em si mesmas, que não se articulam com nenhum processo exterior a elas próprias. As artistas têm obrigação de vincular suas obras à realidade? Não. Mas quando instalações desse tido se tornam a tendência dominante da arte, isto causa uma impressão de esgotamento e alienação. Nesta altura, aliás, as sete mil maçãs já devem ter apodrecido na galeria. E daí?
Todos os movimentos de vanguarda do século 20 que resistiram à prova do tempo - e foram vários - devem boa parte de seu êxito ao fato de terem mobilizado a sociedade em debates produtivos, porque estavam associados a transformações sociais, culturais, psicológicas e tecnológicas que tinham um impacto direto na vida das pessoas. Basta pensar na relação do futurismo com a guerra e com velocidade trazida pela máquina ao cotidiano das pessoas para constatar que o novo não era uma manifestação espontânea e gratuita de gênios individuais. Mesmo o surrealismo, com seu projeto de libertar a criação de qualquer controle racional, só foi possível num contexto de consolidação da idéia de inconsciente concebida por Freud; além disso, numa segunda etapa, o surrealismo foi associado por André Breton a um projeto político de esquerda, o que é uma contradição em termos, mas confirma o papel do contexto histórico na arte de cada época.
Quando Marcel Duchamp expôs um urinol ou desenhou um bigode na Monalisa, fez um gesto revolucionário, que rompia com as convenções e abria possibilidades infinitas para a arte. Mas, como todos os gestos fundadores, é irrepetível, porque o contexto já passou: desenhar um bigode na Monalisa hoje seria apenas ridículo. Abolidos os cânones, qualquer adolescente é capaz de transgressões parecidas.
O problema é que as fronteiras entre a criação artística e a empulhação pura e simples se tornam muito tênues em alguns momentos. A falência da crítica como fator relevante apenas agrava esse quadro, já que quem legitima o artista hoje não é mais o reconhecimento crítico, mas o sucesso em si: se faz sucesso, é bom. Nada mais capitalista. Mas talvez seja mesmo este o destino de todas as artes (a literatura, a música etc), isto é, enquadrar-se numa lógica de mercado ou morrer.
Mais grave que a repetição anódina de fórmulas que fizeram sentido na primeira metade do século passado é o esforço, igualmente ultrapassado, de épater a qualquer custo. Como é cada vez mais difícil chocar as pessoas, alguns artistas “perdem o senso de noção”, numa tentativa desesperada de ganhar projeção num mercado (pois é) cada vez mais competitivo. Duas obras recentes são bastante representativas desse fenômeno:
1) Numa exposição em Manágua, em agosto passado, o artista plástico costa-riquenho Guillermo Vargas Habacuc amarrou um cachorro num canto da galeria e o deixou lá sem comida, até morrer de fome, diante dos olhos perplexos dos visitantes. Habacuc se justificou: “O importante para mim era constatar a hipocrisia alheia. Um animal torna-se foco de atenção quando o ponho em um local onde pessoas esperam ver arte, mas não quando está no meio da rua morto de fome. Este cachorro está mais vivo do que nunca, porque continua dando o que falar”.
2) Em outubro, o artista plástico cipriota Stelarc convocou a imprensa para mostrar sua obra mais recente: ele implantou uma orelha no próprio braço. Stelarc utiliza o próprio corpo como plataforma para os seus trabalhos, que envolvem instrumentos médicos, próteses, biotecnologia, elementos de robótica e sistemas de realidade virtual. Não satisfeito, ele anunciou que quer implantar um microfone próximo à orelha, para captar o que estiver sendo “escutado”.
Será arte?”

O fim da arte segundo Arthur Danto

Por Luciano Trigo em 14 de Dezembro de 2007 às 14:50
Em Após o fim da arte , Arthur C. Danto afirma que a arte - ou pelo menos uma determinada idéia de arte - chegou ao fim. A tese não é nova: Hegel já havia anunciado algo parecido no começo do século XIX. Nem Hegel nem Danto estavam anunciando um tempo em que não se fazem mais obras de arte, ou onde os artistas deixariam de existir ou de ter um papel relevante: isso seria uma idiotice, pois, como na época de Hegel, hoje artistas continuam produzindo obras de arte – cada vez mais, é verdade, dentro de um sistema de relações cada vez mais movido pela lógica do mercado e da mercadoria, o que caracterizaria um período “neoliberal” da arte.
O fim da arte, segundo Danto, não significa o fim das obras de artes, mas sim de um tipo de arte que fazia parte de uma história (ou de uma narrativa), pautada pelas noções de estilos e movimentos, e pela crença de que existia uma linha evolutiva entre eles - linha que seria preciso compreender para interpretar e avaliar qualquer obra de arte particular. Em outras palavras, o que acabou foi o laço que unia a arte à História, laço que estava na base de todos os manifestos e movimentos do século 20, pelo menos até meados dos anos 60. A partir daquele momento, e cada vez mais, o único compromisso dos artistas seria com a liberdade absoluta, liberdade inclusive de repetir, colar, reler, citar etc, do jeito que quiserem.
Existe até uma corrente pomposamente chamada de “apropriacionista”, a que se filia, por exemplo, o artista Mike Bildo, que se apropria de imagens alheias para supostamente lhes atribuir um novo sentido. Desta forma, Bildo faz cópias idênticas de obras de Marcel Duchamp e Andy Warhol e as intitula ”No Duchamp” e “No Warhol”, por exemplo. Entenderam? Para mim, sinceramente, isso é um embuste, uma palhaçada, uma tolice. Jorge Luis Borges, no conto Pierre Menard, autor del Quijote, cria um personagem que reescreve palavra por palavra o Dom Quixote de Cervantes, atribuindo assim um novo sentido à obra. É, evidentemente, uma ironia. Bildo é uma espécie de Menard que se levou a sério - e o mais grave é que todo mundo bateu palmas.
Aspas de Danto: “É parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado esteja disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar. O que não lhes está disponível é o espírito em que a arte foi realizada.” [e isso faz toda diferença].
Ora, levando-se Danto a sério, a implicação direta disso é que não existe mais critério para se estabelecer o que é ou não é arte. Se a técnica e o talento deixaram de ter importância, se não existe diferença visível, por exemplo, entre um objeto do cotidiano e um objeto de arte, o que determina o valor de um artista passa a ser sua capacidade de inserção no sistema da arte, através de uma rede de relacionamentos com marchands, galeristas, curadores, colecinadores – sistema que expeliu, por desnecessários, os críticos. Esse sistema dita o que vale e o que deixa de valer, segundo movimentos que têm muito mais a ver com a Bolsa de Valores do que com a idéia convencional de arte. Ao mesmo tempo, o aspecto sensorial da arte perdeu importância frente ao seu aspecto filosófico: o papel da arte passou a ser refletir sobre si mesma. O próprio Danto assume que o modelo vigente “impossibilita a definição de obras de arte com base em certas propriedades visuais que elas possam ter”. Ele vai além, numa sentença que considero verdadeira e estarrecedora (estarrecedora porque tristemente verdadeira): “O que quer seja a arte, ela já não é basicamente algo para ser visto”.
Danto - e, como ele, Hans Belting, em O fim da História da Arte - sugere que o fim da arte começou a acontecer nos anos 60, com a Pop Art e Andy Warhol. Até ali, as obras de arte eram pensadas e avaliadas fundamentalmente em termos estéticos. Toda a arte moderna apresentou questões estéticas, mesmo quando discutia as condições, os meios e os métodos da representação. E foi quando esse predomínio da estética, por algum motivo, deixou de corresponder ao que se produzia, é que o conceito de moderno se tornou insuficiente, e se buscou um substituto: pós-moderno ou contemporâneo (mas não contemporâneo no sentido puramente temporal, já que continuaram existindo artistas preocupados com a estética).
Danto sugere que existiram duas grandes narrativas sobre a arte, isto é, duas grandes modelos que estabeleciam como a arte deve ser: a de Giorgio Vasari, no sec. XVI, correspondente à arte mimética, e a de Clement Greenberg no século 20, correspondente à arte moderna. Os dois modelos bastam para entender a arte de vários séculos, sua natureza e sua função. A narrativa de Greenberg, responsável pela teorização do modernismo, teria deixado de fazer sentido para a arte dos nossos dias. “Contemporâneo”, escreve Danto, “passou a significar uma arte produzida dentro de uma estrutura de produção jamais antes vista em toda a História da Arte”. A minha conclusão é que hoje não existe mais uma narrativa que permita compreender o passado, o presente e o futuro da arte – a não ser a narrativa do mercado.
É por isso que, desligada da História, uma boa parcela da arte contemporânea caiu num processo de repetição vazia. Para muita gente, a superação das questões modernas representou um vale-tudo, um contexto em que tudo é arbitrário. A questão é: quem arbitra o valor nesse cenário, que Danto descreve como sendo de “desordem informativa” e “entropia estética”? O artista, para ter uma existência social neste modelo, não estaria abrindo mão de sua soberania para se tornar mais facilmente assimilável pelas correntes da moda? Esse pacto econômico que fundamenta o sistema da arte e excluiu a reflexão crítica – a ponto de hoje qualquer pensamento questionador ser recebido a pedradas pelos próprios artistas – não estaria mergulhando num divórcio suicida entre arte e sociedade? A anunciada Bienal do Vazio não seria um sintoma de que algo vai mal?

Após o fim da arte – A arte contemporânea e os limites da História, de Arthur C. Danto. Tradução de Saulo Krieger.

A revolução da arte electrónica


A revolução da arte electrónica Sinopse por: Luís Carlos Nogueira


Obra: A revolução da arte electrónica
Autor(a): José JiménezArtigo da Revista: Revista de Comunicação e LinguagensNúmero: 25/26Ano publicação: 1998 Ano entrada: 2000-01-01 Número de páginas: 47-59

Sinopse por: Luís Carlos Nogueira
Começa assim a reflexão: "Um emblema marca o nascimento do século XX nas artes plásticas. É a representação cortante e angulosa de um grupo humano segundo critérios completamente desconhecidos para o olho europeu da altura. Cinco mulheres nuas que rompem a homogeneidade da imagem". Partindo desta referência à obra Les Demoiselles d`Avignon de Picasso, o autor percorre as questões da arte e das tecnologias para acabar o texto do seguinte modo: "Com toda a sua profunda novidade, o que se nos coloca não é assim tão novo, dum ponto de vista filosófico, no que se refere à sua condição ontológica. A arte foi sempre, na nossa tradição, realidade virtual: produção de mundos possíveis, alternativos ao mundo existente, material. E sempre procurou a incidência dessa realidade alternativa na vida e na sensibilidade dos seres humanos de carne e osso. Essa é a grande aposta que tem diante de si a hoje nascente arte digital".

Arte electrónica

O movimento "art pour l'art", a partir do século XIX, teve o mérito de questionar a função social da arte e, ao voltar-se para uma avaliação de si mesma, refletir sobre as próprias ferramentas e sobre como explorá-las livremente, até a implosão. O custo foi alto, embora necessário, tendo rendido, de qualquer forma, excelentes frutos na modernidade.Porém nem o artista concretizou o sonho de desagrilhoar-se dos seus entornos (eu diria, aliás, que nunca a relação entre o artista e o sistema social e econômico foi tão tensa e intrincada como a partir do século XIX), nem a sociedade engoliu assim, com tanta facilidade ― e prazer ― o livre-arbítrio estético. Acho que eu posso afirmar sem risco que os tempos da pós-modernidade (embora conceituar um artista como pós-moderno seja o mesmo que chamar Você-Sabe-Quem de Lord Voldemort) mostram, sobretudo, uma preocupação em re-estabelecer o elo perdido entre objeto artístico e sujeito ― ok, entre arte e público.Chega de bancar o autista, dizia a turma dos anos 80. Gradualmente, queiram ou não os pessimistas, os saudosistas e até mesmo alguns críticos cujo olhar permanece vinculado à proposta romântico-modernista, os artistas voltaram a trocar o "u" pelo "r" e as mostras de arte estão, cada vez mais, comprometidas com idéias e conceitos antes considerados incompatíveis, tais como: entretenimento; contato físico (lembrando que antigamente se dizia: não se toca em obra de arte!); jogo; comunicação; e até mesmo ― oh! ― pedagogia da arte!Nesse exato instante, temos um belo exemplo bombando, aqui em Porto Alegre, no Santander Cultural: o FILE ― Feira Internacional de Arte Eletrônica. Net-art, instalações, filmes interativos, realidade virtual, vídeos, games e web-art, tudo misturado esperando não só pelo seu click no mouse, mas por sua entrega de corpo inteiro. Coragem: passe ridículo, dance, olhe, toque, ouça: afinal, você é um espectador contemporâneo, e não são apenas os seus olhos que estão literalmente em jogo, mas toda a sua capacidade cognitiva e motora. Divirta-se, mas preste atenção.Algo está acontecendo com aquilo que chamamos ― ou costumávamos chamar de arte. Esqueça as tradicionais definições, elas não cabem nesse caso. Mais do que uma exposição lúdica e, em alguns casos, reflexiva, a FILE quer nos propor a derrubada de fronteiras há muito destituídas de sentido. Por que essa assimetria entre função estética e função comunicativa? Por que priorizar estesia em detrimento da diversão? Por que, aliás, queimar fosfato tentando diferenciar o que é arte daquilo que não é? Essas questões não implicam de forma alguma propor o fim da arte como conceito, mas o seu deslocamento, numa reorganização inclusiva do saber estético. Gosto muito de uma frase de Gérard Genette ― teórico mais conhecido pela tribo literária, mas que tem um livrinho fantástico chamado A Obra de Arte: Imanência e Transcendência ― onde ele afirma que definir um objeto como obra de arte não passa de uma convenção útil, quando desejamos situar esse objeto em seu contexto sócio-cultural e econômico; contudo, essa definição é, não só hipotética, mas provisória, requerendo uma previsão de intencionalidade ― é preciso que esse artefato tenha sua função estética reconhecida tanto por quem o produz, como para quem o percebe. Esse raciocínio fica bastante claro para mim toda vez que penso em Duchamp como um exemplo de manipulação desses conceitos. Porém, deixemos Duchamp em paz, nesse momento. Na FILE, tudo pode ser, alguma coisa deve ser, ou nada daquilo é ― arte. Depende muito da intenção autoral de tal objeto (se ele foi concebido para exercer essa função), mas também dependerá do modo como ela será veiculada ou compreendida ― o fato de ela estar inserida num espaço institucional concebido para expor obras de arte faz muita diferença. Ou não faz?E se a Feira tivesse ocupado o estacionamento de um shopping center, tal como fazem as feiras de design, ou de informática? E se você pudesse acessar cada trabalho (como é o caso de alguns) pela internet? Será que isso mudaria alguma coisa para você, meu caro sujeito interagente? Será que isso mudaria a função ― ou o caráter ontológico ― do objeto artístico? Hans Belting e Arthur Danto, não por nada, ao discorrerem sobre o fim da história da arte, querem dizer do fim de um determinado approach do objeto auto-reflexivo estético, cuja validade encontra-se com os dias contados, se é que já não venceu.Porém, a meu ver, não se trata somente de um modo de aproximação desse objeto; tudo indica (sintoma e diagnóstico tão provisórios quanto quaisquer outros, não esqueçam) que as fronteiras entre linguagens estéticas e suas aplicações, sejam elas puramente poéticas, utilitárias, educativas ou lúdicas, por enquanto e para o pensamento contemporâneo, estejam caminhando para uma espécie de pulverização, o que não quer dizer que tudo o que se faça ou se intencione produzir como arte, preencha de forma adequada ou bem-sucedida essa função. Por enquanto, ligue-se e verifique por si mesmo: pense, enquanto se diverte. E vice-versa.Nota do EditorTexto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no site Artistas Gaúchos.Paula MastrobertiPorto Alegre, 14/4/2008

"Nem sempre o que parece é"