quarta-feira, 19 de março de 2008

Educação entregue a mais de cem mil "incapazes"?

Maria L. Travassos

2008-03-13 - Ao que parece, a educação dos nossos filhos está entregue a cerca de cem mil desinformados, a acreditar nas afirmações da ministra. E digo mais de cem mil porque, apesar de ter sido esse o número de professores contabilizados a participarem na "Marcha da Indignação", muitos foram os que, pelas mais diversas impossilidades, não estiveram presentes fisicamente em Lisboa, mas que acompanharam de alma e coração a luta dos seus colegas. Sendo verdade o que Maria de Lurdes Rodrigues afirma - que os professores se manifestam contra políticas educativas que não conhecem verdadeiramente - tem a ministra da Educação razão em considerar que a sua avaliação é extremamente importante, atrevendo-me a adiantar que, nesse caso, devem ser todos eles avaliados com insuficiente. Insuficiente, porque se todos estes professores não conhecem as políticas educativas, se não conhecem o Estatuto que lhes foi imposto por este governo, se não conhecem o processo da Avaliação de Desempenho, se são manipulados, não estão em condições de educar os jovens deste país. Como professora do Ensino Básico (no topo da carreira e, consequentemente, sem possibilidade de progredir mais) considero que quem não está em condições de continuar a dirigir este ministério é Maria de Lurdes Rodrigues, pois apesar de socióloga, não é capaz de fazer a leitura dos números e do sentimento de profissionais que estão todos os dias nas escolas, que lidam com os reais problemas sociais que se reflectem na vida dos alunos e consequentemente na sua vida escolar. Esta ministra deveria ouvir os professores, respeitá-los, e aproveitar a sua experiência para implementar políticas educativas que conduzam a um verdadeiro sucesso escolar. Não é com políticas facilitadoras, que escondem os verdadeiros resultados escolares dos alunos portugueses, que se consegue uma melhor prestação dos nossos jovens quando entrarem para o mercado de trabalho. É com políticas integradoras, de efectivo apoio àqueles que o necessitam, criando condições de trabalho e envolvendo os professores numa reforma que eles próprios defendem. São os professores, os primeiros a defenderem a necessidade duma reforma do sistema, em que se dignifique a carreira docente, um ensino público de qualidade e em que se criem mecanismos de apoio aos alunos que o necessitam. Ao contrário, o que se verifica é que nunca, como agora, houve tão pouco apoio. As imprecisões da ministra da Educação Não é verdade que os professores estejam contra a sua avaliação. Também eles defendem que é necessário premiar o mérito. Mas fazer uma avaliação em que estão em causa dois anos (2007/2009) e que a legislação que a rege só é publicada em Janeiro último, que o Conselho Científico que deve dar orientações às escolas, só é formado em finais de Fevereiro, como podem as escolas ter os instrumentos de avaliação aprovados em Abril, e todos os professores de uma escola avaliados em meados de Maio? Sim, todos! Porque a informação que chega às Escolas, é que sete mil têm que ser avaliados até ao final do ano lectivo para poderem progredir. Mas todos os outros, apesar da sua avaliação só finalizar em 2009, têm que ser objecto de duas observações de aulas para essa avaliação. Não é bem a mesma coisa do que se afirma frente às câmaras. Não damos aulas? Ou não dormimos?! E quem ensina os alunos? E a avaliação do ano 2007/08 resume-se a dois meses? Ou faz-se uma avaliação atabalhoada por birra de uma ministra? Não seria mais sensato dedicarmos este ano a preparar uma avaliação de acordo com a especificidade da função docente, como realmente acontece nos outros países (e não de acordo com o CIADAP) e iniciá-la no próximo ano? Não deveremos focalizar a nossa atenção nos alunos em vez de estarmos todos a trabalhar para a nossa própria avaliação? Bem, somos pessoas responsáveis, apesar dos comentários dos muitos analistas que, ao que parece, “conhecem melhor” a realidade educativa do que nós. Temos trabalhado para os nossos alunos. Apesar de só termos no nosso horário duas horas semanais para reuniões, temo-nos desdobrado e passado horas infindáveis nas escolas sem que ninguém nos pague horas extraordinárias. Não seria caso da Inspecção Geral de Trabalho começar a visitar os estabelecimentos de ensino, como faz às empresas privadas que exploram os seus trabalhadores? Ou será que, como o nosso patrão é o Estado, podemos ser “obrigados” a trabalhar ilegalmente? Disse a ministra, na Grande Entrevista, que não é verdade que um professor de Educação Visual tenha que avaliar outro de Educação Física, já que aquele pode delegar competências. Faltou à verdade a senhora ministra, pois a delegação de competências só é possível fazer-se a partir de doze professores por avaliador, e nada tem que ver com a sua formação científico-pedagógica. Com a criação dos super-departamentos pode acontecer, que numa escola pequena, um professor de Língua Portuguesa tenha que avaliar um de Alemão. Como é natural esse professor dará a sua aula na língua germânica. Como pode um professor que não conhece essa língua avaliar se há correcção científico-pedagógica? Disse a ministra, na Grande Entrevista, ao ser questionada sobre a razão que a levou a contar, somente, os últimos sete anos para o concurso de professor titular, que a mesma se deveu ao facto de haver dificuldades com os registos biográficos nas secretarias das escolas. Faltou à verdade a senhora ministra, pois todas as escolas deste país têm de ter esses registos em dia, sendo eles assinados anualmente pelos professores, depois de devidamente confirmados. Esta injustiça fez com que professores, com cargos importantes nas escolas, ao longo da sua vida profissional, e que numa altura em que quiseram dar oportunidade aos mais novos de ocuparem esses cargos, para se dedicarem ao mais nobre trabalho que há numa escola, que é o de ensinar, fossem impedidos de aceder a professor titular por falta de pontuação (já que o que foi valorizado foram os cargos e não a actividade lectiva) e, agora, tenham de ser avaliados por professores titulares num escalão abaixo do seu. Se a moda pega, e o ministro da Administração Interna gosta, ainda vamos ter soldados a avaliar os generais! Disse Maria de Lurdes Rodrigues que está a trabalhar com os professores. Faltou mais uma vez à verdade. Ela reúne-se com o Conselho de Escolas que são formados por representantes dos Conselhos Executivos. Estes são obrigados a cumprir as orientações do ministério e apesar de transmitirem as preocupações dos seus colegas, não estão em condições de negociar, em nome deles. Aliás, outra das lutas dos professores é pela manutenção da gestão democrática das escolas, que também está em vias de extinção. As verdades de Maria de Lurdes Há uma verdade no discurso de Maria de Lurdes Rodrigues! Os professores estão descontentes porque têm que trabalhar mais horas e até aos sessenta e cinco anos. É verdade! Como podem os professores estar contentes, se são obrigados a passar mais horas em escolas que não têm condições de trabalho, em que os computadores não funcionam, onde não há um espaço para trabalhar em condições e que quando chegam a casa têm de pôr os seus computadores, os seus tinteiros ao serviço da escola, em horas que deveriam ser de descanso? Um conhecido cronista e comentador duma televisão privada diz-se indignado pelo facto de os professores estarem numa escola, dentro do seu horário de trabalho, e não quererem substituir um colega. Bem para este senhor, numa escola não há mais nada para fazer a não ser dar aulas. Possivelmente ele não prepara as suas intervenções e por isso diz e escreve tantos disparates! É lógico que para fazer o que faz, não sofre o desgaste dum professor que, de 45 em 45 minutos, trabalha com 25 jovens diferentes, cada vez mais irreverentes. É claro que, com um desgaste deste género, é extremamente difícil aguentar até aos 65 anos de idade, quando se é obrigado a trabalhar 45. É o meu caso. Não serão estas razões suficientes para o descontentamento dos professores? Será com políticas como esta que se consegue a melhoria do ensino?Não creio! Só mais uma coisa! Tenho orgulho na minha profissão e não me importo de ser professora dos netos de Miguel Júdice. Certamente, os meus colegas contribuíram para a educação dos seus filhos!

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