segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Sindika Dokolo ou a arte de um coleccionador





Shannon Fitzgerald

O que o levou, pela primeira vez, a coleccionar arte?

Os meus pais tiveram um grande peso nesta opção. O meu pai foi congolês, a minha mãe é dinamarquesa e eu cresci em Paris. Houve sempre na nossa casa, por esta razão, uma interessante mistura de culturas. Estas diferentes origens produziram, desde muito cedo, uma subjectividade e personalidade fortes no meu gosto. Os meus pais levaram-me a museus por todo o mundo. Tive a oportunidade de descobrir muito cedo Atenas e a estética clássica grega, bem como o Prado e o Louvre. A segunda influência veio de um dos melhores amigos do meu pai, Jean Cambier, um importante coleccionador belga de arte pré-colombiana e daquilo a que se costumava chamar “arte africana primitiva”. Costumava passar todos os meus fins-de-semana na casa dele em Waterloo, perto de Bruxelas. Eu era apenas uma criança, mas ele acolheu-me como um amigo e partilhou comigo a paixão dele. Ensinou-me que os objectos têm alma e podem carregar um significado tão forte que podem marcar a sua vida de formas nunca esperadas. Ele pôs-me o bichinho da colecção. Anos mais tarde, em Paris, tropecei num Jean-Michel Basquiat enquanto procurava um apartamento. Estar perante um quadro de Basquiat pela primeira vez foi um momento incrível. Relembro este momento como se tivesse acontecido em câmara lenta. Nunca antes a arte me fez sentir desta forma. O quadro provocou sentimentos de familiaridade e confusão, mas, ainda assim, provocou-os de forma marcada e clara como cristal. Ele explora sentimentos de formas que nunca pensei serem possíveis – stress, força, emoção, identidade, medo, violência, sexo. Apercebi-me, naquele momento, de como as cores de uma tela poderiam expressar emoções humanas de forma tão precisa, enquanto as palavras pareciam tão limitadas, tão desajeitadas. Mais tarde, após muita investigação e negociação, acabei mesmo por adquiri-lo. Penso que me custou tanto quanto o resto da colecção. A Pharynx é uma peça muito especial para mim. Mudou o modo como olhava para a arte e como me relacionava com a arte, revelou-me o quão poderosa, intensa e ainda maravilhosa e mínima a arte contemporânea pode ser, ensinou-me que arte contemporânea africana deverá ser: expressiva, audaciosa, rítmica, sensual, universal.

Até há pouco tempo, as mais importantes colecções de arte contemporânea africana estavam na Europa: a colecção Jean Pigozzi, em França, e a colecção Hans Bogatzke, na Bélgica. Em 2003, adquiriu a colecção privada do falecido coleccionador alemão Hans Bogatzke, na Bélgica. Como é que isto aconteceu?

Começa com a minha amizade com o artista e curador angolano Fernando Alvim. Ele é um ser humano maravilhoso: muito generoso, ainda que exigente, extremamente produtivo, engenhoso e criativo. Ele tem uma habilidade fantástica para misturar arte com política, filosofia e identidade ao mesmo tempo. Ele apresentou-me a artistas em ascensão, bem como à colecção Bogatzke. Logo após o 11 de Setembro, recebi a terrível notícia da morte de Bogatzke. Imediatamente depois, o Alvim contactou-me e pediu-me para comprar a colecção. Era um pedido urgente com base no desejo deste de proteger a colecção como um todo e trazê-la para África, onde seria a primeira colecção desta importância disponível ao público africano. Pensei sobre isto; estava dez vezes acima do meu orçamento, mas apercebi-me da importância do pedido e decidi aceder ao mesmo. Comprei cerca de seiscentas peças de uma só vez e decidi incorporar 250 obras de que realmente gostei na colecção Sindika Dokolo. Decidi doar as restantes àquele que seria o futuro museu de arte contemporânea de Luanda. A partir de então, a colecção cresceu e tem, neste momento, cerca de mil peças.
Fonte:Jornal de Angola. Ler mais aqui.

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