quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A Arte: de que se trata?

A presente reflexão a partir de uma sondagem, embora pequena, pretende responder, dar indícios à questão: “A Arte: de que se trata?”. Foram feitos inquéritos, distribuídos pela população feminina e masculina. Diferenciou-se também a faixa etária, optando-se por um intervalo dos 18 aos 25 anos e outro dos 50 aos 60 anos.
Começo por referir que foi com alguma surpresa que observei a dificuldade com que a maioria dos inquiridos tiveram em responder às questões. Não sei se por falta de hábito se pelo próprio tema em questão. Mas verifico também, uma grande ignorância, sobre o que é o Humano e os seus referenciais. Analisando os inquéritos e seus resultados, saltam à vista quatro questões onde as pessoas no seu conjunto (homens e mulheres) parecem ter uma posição unânime bem definida? Quando questionados sobre se a “arte é indispensável à vida”, 90% respondeu que sim, ficando apenas 10% a responder que é um luxo para privilegiados. Fica-se com a noção que sabem que é importante porque indispensável. Porquê e em que medida veremos mais adiante (em hipótese).
A outra questão que sobressai pela positiva é a que “arte embeleza a vida de todos e de cada um”, com 100% das respostas. Ninguém a achou banal ou sem interesse, o que, leia-se, afirmam como importante. A terceira questão com igual relevância nas respostas é se “a arte é algo que se aprende” com 100% das respostas positivas, contrariando a ideia (0%) que “só é praticada por privilegiados, sobredotados”. O que mais uma vez, é a minha tese, sentem pensam a arte como algo importante porque possível de aprender e não uma coisa que só alguns podem escolher, têm acesso. A última, a quarta questão que relevo é a de que “a arte é uma actividade de comunicação”com 80% de respostas positivas contra 20% que responde ser uma utopia. O que demonstra, uma vez mais, a arte como coisa importante porque é uma forma de comunicação. Comunicação, tão essencial ao relacionamento entre as pessoas.
Proponho agora uma leitura destas quatro questões, que estão entre os 80 e os 100% de respostas positivas, para observar que terão as pessoas respondido deste modo porque têm uma noção da arte confundindo-a com a beleza/estética, do bem parecer perante os outros? Será uma acepção da arte pelo design, publicidade, hedonismo? Vejamos, a arte, responderam, é indispensável porque embeleza a vida de todos e de cada um, é uma actividade de comunicação e algo que se aprende, portanto também acessível a todos os que querem aprender. Logo uma actividade da razão, aspecto cognitivo. E claro está, na realidade acessível a alguns, não a todos, só aos que queiram ou possam aprender.
Passemos agora a outras questões. Quando perguntado se “a arte é uma linguagem das pessoas” ou se “a arte acontece por todo o lado na natureza” 60% responde positivamente à segunda. O que parece confirmar a tese de que pensam a arte como exteriorização da beleza (hedonismo). Contraria, no entanto, a resposta à questão se “a arte é próprio de tudo o que é vivo” com 40% das respostas e assumindo a arte como “uma manifestação exclusivamente humana” com 60% das respostas positivas. Ou será a noção de que o homem é natureza ou está na natureza, faz parte dela ou exterior a ela? É difícil chegar a uma conclusão tendo apenas por base estes inquéritos. Mas uma coisa parece demonstrar, a ideia que não há uma definição na cabeça das pessoas sobre o que é o homem e as suas expressões. “Perspectivam o homem que são de formas tão pouco humanas”. (1).
Por referir a aproximação das respostas quando é perguntado “se a arte é simplesmente emoção” 50% ou se “a arte é manifestação da realidade” 50%. Estas respostas reflectem a reflexão já atrás feita sobre o que é o homem.
A questão se “a arte é uma imitação da realidade” 45% e a “arte é uma distorção da realidade” 55% remete-nos também para a noção, não do homem como centro decisor sobre a arte, mas a realidade manipulada tornando-se arte, por imitação ou por distorção. Cruzando todas as respostas fico com a sensação que se pensa a arte exterior ao aspecto afectivo, caindo mais para o aspecto cognitivo.
Podemos também analisar as diferenças entre homens e mulheres, verificando – se algumas curiosidades: eles pensam a arte como uma linguagem das pessoas, eles uma coisa que pode acontecer por todo o lado (mais líricas, hedonistas?). Depois mais questões em contradição reflectindo a ignorância sobre a arte e a noção de homem. Em relação à questão se a arte é simplesmente emoção ou manifestação da realidade, elas ficam pela primeira e eles pela segunda. Reflecte o aspecto mais sentimental da mulher? Os homens são mais “terra a terra”? Questões por resolver, a desvendarem.
Quanto a arte ser indispensável ou um luxo, aqui nota-se uma diferença de sexos, eles nunca referem como luxo, elas 10% dizem que sim. Mas nenhum a considera banal. Facto curioso.
Outra diferença de respostas é a afirmação delas 10% de que a arte é utopia. Eles nunca referem a utopia ligada à arte. Para eles a arte é uma actividade de comunicação. Ponto final.
Mas regra geral pode-se dizer que a diferença de género não altera substancialmente as respostas, pelo que considero estarem ambos ao mesmo nível de conhecimento.
Analisando a relação entre os géneros e as idades cheguei à conclusão que quase não há diferenças no intervalo 18-25 entre homens e mulheres, e quando existem são ténues. Nota-se uma maior aproximação entre os géneros no intervalo 18-25 anos do que no intervalo dos 50-60 anos onde, embora pouco significativas, se observam maiores diferenças. É comum nesta faixa etária a acentuação da arte como beleza, a arte que se aprende, a arte como comunicação. Comum a todas as idades e géneros é a de a arte não ser vista como algo banal e só para super dotados. Já analisando na perspectiva dos mesmos intervalos de idade, juntando masculino e feminino, nota-se, aqui sim, algumas diferenças. No nível etário 50-60 anos 80% consideram a arte como uma linguagem das pessoas contra 20% do intervalo 18-25 anos. Consideram que a arte embeleza 60% no nível 50-60 contra 40% dos 18-25. Também os mais velhos acham que a arte se aprende, 66%, contra 24% dos mais novos. São os mais velhos, 83% a achar a arte uma actividade exclusivamente humana, assim como uma actividade de comunicação, 75%. Como conclusão, fica-me a ideia que os inquiridos têm sobre a arte (ou daquilo que falamos, quando falamos de arte) é vago, muito ligado à natureza, como algo que é útil porque embeleza, por isso indispensável, é comunicante e pode-se aprender. É algo acessível, teoricamente, a toda a gente, mas não é uma manifestação exclusivamente humana. Fica a ideia que a imaginação e a fantasia é apanágio de outras actividades humana, pois a arte aparece, em contradição, ora como ligada à natureza ora ligada ao aspecto cognitivo do homem. Como atrás referi não sei se esta visão da arte vem da ignorância do que é, ela mesma, se do não conhecimento do que é o homem, do que são as características dos humanos, do que são as expressões pessoais do humano como humano, como um e não como partes. Como o humano desenvolvendo-se, tendo como uma das suas expressões mais importantes a arte, a criação artística.
Por isso voltamos à velha questão, a arte só será arte quando o humano se perspectivar como humano. E o humano só será humano quando for perspectivado como criador de arte.
Através deste inquérito posso dizer que a maioria esmagadora das pessoas ainda não perspectivou o humano como humano.
O que reflecte a nossa unidade pessoal enquanto humanos são as nossas manifestações artísticas, de criatividade. Esta ideia ainda está longe de ser compreendida pelos nossos companheiros na viagem do desenvolvimento.
(1) Enigma Indecifrável? – Professor Doutor Álvaro Miranda Santos

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