quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

DA MINHA ARTE
O que me agarrou neste desafio foi o facto de eu não andar longe de uma arte comprometida politicamente. Não pertenço à família dos contemplativos, daqueles para quem “a pintura interessa muito mais do lado do seu silêncio do que do seu grito”, estou mais do lado dos que apostam na sua expressividade, do lado da afirmação vivida.Não pinto para entender o que vejo. O que vejo não é da ordem somente dos sentidos, socorro-me deles, pela apreensão com uma espécie de intenção subtil que descobre e denuncia nas coisas/acontecimentos que me rodeiam. Quero fazer sentir mais do que ver como coisa dizível, o que pode levar tempo a interiorizar, a perceber por detrás da película dos signos e das imagens que se interpõem entre o nosso olhar e a coisa plástica. É preciso saber, é preciso agir, intervir, para que o humano se torne humano. Da minha pintura espero o grito, o alerta.A minha pintura não é por isso, mais um sereno contemplar do mundo, das pequenas variações das coisas mas de uma relação feliz/amargurada, tensa, com esse mesmo mundo. Por isto o meu processo pictórico é lento, meditativo, explorativo, interiormente elaborado como um trabalho de destapar, de tornar visível o visível camuflado. Apelo para que a contaminação e os excessos da visibilidade camuflada se tornem claros, entendíveis.É uma pintura feita de uma espécie de “amanhecendo” no sentido de aparecimento, não pecando pelo excesso do visível mas a subtil sugestão do visível/invisível, da dificuldade de ver.Qualquer pintor que, em vez de olhar apenas para si mesmo, olhar para o mundo em volta, apercebe-se, que ver é o que é mais difícil, embora estejamos rodeados da imagem por excelência. Interessa-me a pintura como forma de perscrutação de tudo o que me rodeia, para ir sempre um pouco mais além do que se torna imediatamente visível, para penetrar naquilo que só vê quando nos detemos firmemente, criticamente a contemplar, meditando, verificando o que não é da ordem da evidência mas, também, de uma espécie de silêncio e de encobrimento, de alma subtil ou de pulsação profunda, que só se pode revelar através de muita reflexão, do muito olhar.Por isto, tento registar o possível, em estridência, sem se oferecer como uma pintura surda, apostando numa estética que se compraz com o grito. Toda a pintura, a um certo nível é audível e por vezes só nos apercebemos de um rumor vago. Eu quero-a de uma expressão próxima não do silêncio, mas do grito profundo ecoando na manhã do mundo para que espreguice dos homens a cegueira material. Um mundo super habitado, de super produção por um lado e de desertificação e morte por outro.Quero que para além do azul, amarelo e vermelho vejam sempre uma outra cor, a dos espelhos que já não têm reflexos, a dos que reflectem outras coisas, que reflectem mais além do que o silêncio.Instauro no processo de ver o mundo uma noção que torne visível também os invisíveis ou seja os anónimos.

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