sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A educação em balanço de final de ano

“Num país onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e de escrúpulos, o diagnóstico impõe-se per se”.Manuel Laranjeira, 1908. Rui Baptista* Ainda mesmo o comum dos mortais sabe que perante qualquer estado mórbido existem, pelo menos, duas etapas indissociáveis e de cumprimento obrigatório para o debelar: diagnóstico e terapêutica. No que respeita às entidades directamente responsáveis pela Educação, as respectivas maleitas têm permanecido na penumbra oficial com a excepção da actual responsável pela pasta da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ao assumir publicamente que o relatório da OCDE [sigla da “Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos”, com o objectivo de “fomentar o desenvolvimento da investigação e formação nos domínios científico e tecnológico”] sobre o sector não “traz novidades” para Portugal e que os dados são “preocupantes” (“Público”, 15.Setembro 2005). Daqui saúdo a assunção pública de uma preocupação, mas reprovo o facto de os dados continuarem a ser tanto ou mais inquietantes volvidos mais de dois anos por não se ter passado de um simples diagnóstico a uma adequada terapêutica.De há anos a esta parte, numa meritória acção de cidadania, personalidades do mundo científico, cultural e político não se têm eximido de denunciar o estado caótico da Educação. Denúncia que, pelos vistos, cai sempre em saco roto! Neste final de ano de 2007 recordo, sem qualquer preocupação cronológica, alguns desses diagnósticos em banho-maria na procura de soluções:- “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicados” - António Guterres.- “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados” – Francisco Sousa Tavares.- “As políticas educativas seguidas nos últimos 15 anos foram um desastre. Os resultados estão à vista. Lemos nos jornais e constatamos que a Educação está na rua, na lama da voz pública.” – Manuel Ferreira Patrício.- [A Educação] “é um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje” – Silva Lopes.- “A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito ou disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos. (…) Vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas vezes sem sequer conhecerem as quatro operações” – Vasco Graça Moura.- “(…) fazer entrar o maior número de estudantes, sem consideração pelo mérito; formar técnicos de medíocre qualidade, sem zelar pela qualidade das instituições; libertar os docentes da tarefa de seleccionar: e transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice” – Antóbio Barreto. - “Por força de um atraso ancestral, a necessidade de uma escola qualificada que dê lugar a uma sociedade desenvolvida não está suficientemente clara na mente das pessoas. A escola, a boa escola, não ocupa ainda o lugar a que tem direito” – Carlos Fiolhais.- “É indesculpável que um professor - qualquer professor! - não saiba escrever, cometa erros de ortografia graves, tenha limitações sérias no vocabulário, não faça ideia do que é a lei da queda dos graves, não saiba somar fracções ou confesse ‘horror à matemática’” – Nuno Crato.- “Estão-se a formar ignorantes às pazadas” – Medina Carreira.- “Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” – Maria Filomena Mónica. - “A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco honesta” – Vital Moreira.É esta a Educação que temos com semelhanças aos tempos de Platão que, quando confrontado com a incapacidade das crianças em contarem e distinguirem os números pares dos ímpares, reconheceu com desalento: “Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com Homens, e sinto-me envergonhado não só de mim mas de todos os gregos!” É esta a Educação que devemos continuar a tolerar?Neste final de ano, mais do que tolerá-la se deseja que delas se orgulhem todos os portugueses por, segundo o primeiro responsável pela governação de Portugal, “termos mais de 17% de alunos no ensino superior e 360 mil portugueses que, estando a trabalhar ou à procura de emprego, decidiram inscrever-se no programa Novas Oportunidades para melhorarem as suas classificações” (“Lusa”, 25.Dez.2007). Um autêntico país das maravilhas não se desse o caso de nessa percentagem estarem incluídos os que tiveram acesso a ensino superior por serem maiores de 23 anos, ou seja em situações em que a simples data de nascimento se fez substituta do exigente 12.º ano do ensino secundário, e de nas Novas Oportunidades “os frequentadores da escola terem uma vontade incrível de não aprender e não deixar aprender”(“Expresso”, 8.Dez.2007).E se, para Woody Allen, “o político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema”, a solução para as declaradas deficiências do sistema educativo nacional têm tido guarida em acrescentar-lhes novos problemas dando-lhe o nome de soluções. Foi esta uma parte da mensagem natalícia de esperança no futuro da Educação; “o resto da mensagem foi José Sócrates a dizer bem dele mesmo e das suas políticas” (“Público”. 26.Dez.2007).*Ex-docente da Universidade do Portoruivbaptista@sapo.pt

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