terça-feira, 1 de janeiro de 2008

"Um palmo de estante"


CARLOS DE OLIVEIRA
[Belém do Pará/Brasil, 1921 - Lisboa, 1981]

A reduzida extensão da obra de Carlos de Oliveira – «um palmo de estante», como escreveu Mário Dionísio – é inversamente proporcional à sua importância no panorama literário português do século XX. Poeta e romancista, mas também cronista, crítico e tradutor, despertou para a escrita no seio da geração dos neo-realistas, em Coimbra. Através de um sólido trabalho de depuração e perfeccionismo, desenvolveu um estilo e uma consciência poética ímpares, que lhe valeram unânime reconhecimento pelos seus contemporâneos.

Filho de emigrantes portugueses, Carlos Alberto Serra de Oliveira nasceu no Brasil, em Belém do Pará, a 10 de Agosto de 1921. No Brasil só viveu os dois primeiros anos de vida: em 1923, os seus pais regressam a Portugal, acabando por se fixar na região da Gândara, concelho de Cantanhede, mais precisamente na aldeia de Febres, onde seu pai exerceu medicina.

Em 1933, Carlos de Oliveira parte para Coimbra, onde completa os estudos liceais e universitários, concluindo em 1947 a sua licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, com uma tese que denominou de Contribuição para uma estética neo-realista. No ano seguinte, o escritor ruma a Lisboa, onde passará a viver. Mantém colaborações esporádicas em vários jornais e revistas, e chega a tentar o ensino. A partir de 1972 dedica-se definitiva e exclusivamente à literatura.

A arte e a personalidade deste autor foram profundamente marcadas por três vectores fundamentais: a sua infância num meio pobre, rural e isolado (a Gândara); uma perspectiva que, embora marxista na forma de ver a Economia como motor da História, não seria redutora, porque se manteve aberta a todos os aspectos da relação do homem com o mundo; e a ditadura e censura salazaristas. O primeiro ditou-lhe os alicerces geológicos da sua escrita, num cenário omnipresente, e referências pontuais ao imaginário infantil; o segundo permitiu-lhe não se circunscrever, apenas, à perspectiva neo-realista; o terceiro valeu-lhe ser caracterizado como «pessimista», mas uma análise mais profunda revela, antes, uma consciência da fatalidade por parte de um grande humanista.

A maior parte da sua obra em prosa foi publicada entre 1943 e 1953: Casa na Duna, Alcateia, Pequenos Burgueses e Uma Abelha na Chuva, este último tornado clássico de leitura obrigatória nos programas escolares até final da década de 90. Só voltaria a publicar um romance em 1978, o aclamado Finisterra: paisagem e povoamento, canto do cisne e ajuste de contas com a memória, misterioso término de um quinteto de romances com a “sua” Gândara como pano de fundo progressivamente esbatido. Finisterra, devido à sua ousada forma “quebrada” e poética, gerou alguma polémica intelectual quanto à sua catalogação como romance mas, de uma maneira geral, foi considerado uma obra renovadora do romance português contemporâneo.

De igual modo, na poesia, Carlos de Oliveira é considerado um inovador, comprometido apenas com a sua própria disciplina poética. Na arte poética deste autor, Fernando Gil vê a «necessidade de explicar o modo como a linguagem e a realidade se confrontam e conjugam» e Eduardo Prado Coelho destrinça-lhe, como «fantasma dominante», o «desejo de habitar a interioridade da matéria». Entre Turismo (1942) e Pastoral (1977), Oliveira orquestrou uma evolução segura, trilhando laboriosamente um caminho de apuro estético, na busca quase mística da palavra certa, na concentração do mais denso significado na brevidade do texto e na reflexão sobre o próprio processo de escrita. O livro de poemas Cantata, publicado em 1960, viria a ser considerado um marco divisório na poesia de Carlos de Oliveira e os quatro livros de poesia que se seguiram tornaram-se, inquestionavelmente, obras de referência na poesia portuguesa contemporânea.

Além das obras de poesia e de ficção, há que assinalar O Aprendiz de Feiticeiro, um livro que reúne textos de carácter diverso, no qual o escritor se revela, a si e à sua escrita, observando-se e analisando as suas próprias motivações. É neste livro que melhor se percebe, como traço marginal mas dominante em toda a escrita de Carlos de Oliveira, uma consciência da sua própria obra como um todo em (re)construção, tarefa que implica permanentes supressões e reformulações do edifício literário, em nome da coerência interna. Segundo Alexandre Pinheiro Torres, a evolução literária de Oliveira foi ganhando em poder de criação aquilo que perdeu em peso informativo, algo que transparece claramente numa análise da reescrita que as suas publicações foram sofrendo até à data da morte do escritor, em 1981.



Centro de Documentação de Autores Portugueses
04/2005

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