JNEsta exposição integra o quê, concretamente?
Fernando LanhasPintura, sobretudo a concebida de há cinco anos para cá. E até tenho alguns muito, muito recentes, um ou outro só agora é que saíram do estúdio. Vieram de lá para a exposição no JN.
Pode falar sobre o seu processo de criação na pintura?
Não. E sabe porquê, porque está a falar com uma pessoa com um entendimento do homem e até de si próprio, muito especial, portanto, é dificil explicar-lhe. Até porque recuso o título de pintor.
Recusa? Mas, não se assume como pintor?
Sim, recuso, pintor não sou. Os pintores são homens ou mulheres com capacidades de desenho e de saber colorir, que, por vezes, por processos técnicos, conseguem impressionar os outros. O nível exigido para a designação da pintura é raro. A pintura por definição lembra a arte e a arte não se entende, pois o juízo de valor que damos à nossa obra é nosso, dos homens. Quem pode saber melhor? Não sabemos! O tempo é um colaborador enigmático e implacável e o tempo também é dos homens, não somos nós quem sabemos mais.
Considera que a sua formação de arquitecto influenciou e contribuiu para o seu estilo de pintura?
A formação técnica decide um comportamento como uma moral. Essa moral acompanha-nos na vida. Uma moral com um compromisso que está presente, porque uma educação tornou diferente. Agora, também acho que a arquitectura acampanha o homem, antes até da sua apreciação escusada entre dois calhaus preparados, um dos quais era, seria, o mais perfeito. Essa ideia de valorizar não mais desapareceu do homem e temos disso alguns exemplos, como nas colecções de pedras talhadas em todos os museus do Mundo.
Já sabemos que não se assume como pintor e como artista? Gostaríamos de saber como é que se define como artista?
Se efectivamente a noção de arte nos aparece quase inacessível pela indigência da sua objectividade, aquela objectividade que os matemáticos sabem e a filosofia da arte diz, o conceito de homem fazedor de arte mantém o mesmo segredo. Alguns artistas pressentem um mundo que não sabem como acontece. A arte cai e não podemos obrigar o momento. Dizer por palavras a existência da arte e do próprio observador, gente como nós é assumir a arte como um mundo magnífico, acontecido no planeta e decerto já surgido milhões de vezes no universo.
E arte? Como define a arte?
Respondo sempre da mesma maneira, julgo até que já lhe disse uma vez. A arte é um fenómeno intrínseco à espécie humana. Um voo liberto e incontido pelo homem. A arte é um princípio ajustado àqueles que a fazem. É um fenómeno de intimidade ainda não entendido. Mas também é um acto de comunicação, aliás, o interesse sôfrego da comunicação cai no final da primeira infância acompanhando o uso da fala. A arte está por explicar, a arte não é um ser. Pode a arte ter fixado um rumo, na procura de estímulos e sensações. Será uma figura do espírito humano com lógica discutível. Assim, a regra é aí omitida, valendo a exigência do tempo que é feita. Somos nós os homens quem assim pensa. A arte não existe fora do homem.
Acha, então, que a faculdade mental que nos distingue poderá explicar o aparecimento da arte?
Pois, a faculdade cerebral que nos distingue poderá, na verdade, explicar o surgimento da arte. O homo sapiens vindo de África, e após demorada migração, chega ao ocidente da Europa. Então, há uns 40 mil anos convive com o homo sapiens neanderthalensis, aqui já fixado desde longa data, na linha do homo heidelbergerensis, um derivado do homo erectus. Ora, a entidade humana do homo de neanderthal era, no entanto, insuficiente. O homo sapiens sapiens, mais inteligente, observa um dia, no homo neanderthal, um estranho sentido, o sentido estético. Importa referir que a datação deste tempo tem sido garantida pela descoberta do ADN mitocondrial nos vestígios fósseis, permitindo uma análise correcta. Sendo a duração média de vida, nesse tempo, muito baixa, oscilando pelos 17 anos, pode deduzir-se que as primeiras experiências da arte tenham sido executadas por jovens. A novidade vem da juventude. Falar da génese da arte impõe o conhecimento do fundamento da arte. Sabemos que a arte resulta de uma excitação causada por estímulos que actuam sobre os sentidos. Como isso aconteceu, não sabemos.
Com muitos e muitos anos de trabalho artístico, acha que a sua obra é entendida e suficientemente reconhecida?
Pinto já antes de 1940, já lá vão muitos e muitos anos. E a sua pergunta é difícil, porque o entendimento da arte vem depois, ou seja, antes da arte ser feita e de dar os seus frutos (se der!...), não pode ser ajuízada. O reconhecimento acontece um dia se houver uma razão. Vamos lá a ver, mas agora não sei....Poderemos dizer que está satisfeito com as suas criações?Bem, não sei fazer de outra maneira, mas também não me preocupo muito com isso, porque não entendo um artista satisfeito. Um artista satisfeito também não se entende, porque ainda não sabemos o que o artista quer, acho até que, seriamente, nem ele sabe."Fernando Lanhas, hoje" está à porta, ou seja, abre hoje.
O que sente quando está no momento próximo a uma espécie de "julgamento" dos outros?
Sinceramente, não sinto nada de especial. Não me interessa muito o julgamento que os outros poderão fazer sobre a minha obra. É claro que fico satisfeito se gostarem, mas o importante é que eu, no conjunto, me sinta minimamente bem com o trabalho realizado. Mas, confesso que esse aspecto não me afecta muito, porque as minhas preocupações são muito diferentes.
Diga, por exemplo, uma das suas preocupações?
A existência da existência que não se entende.O tema da morte tem sido tratado ao longos dos tempos por muitos escritores, poetas, pintores. Já alguma vez reflectiu e abordou plasticamente a morte?Não, em termos de pintura, abordei através de outras expressões, designadamente através de um poema. Acho a morte uma coisa natural e, portanto, não penso nela. O que quer que lhe diga, só sei uma coisa: o nosso conhecimento actual leva-nos a um absurdo. Temos conhecimento de muito mais do que não podemos saber. Recordo apenas de ter tratado a questão da morte num poema que publiquei no livro "Vida/fenómenovivo" e a que dei mesmo o nome de "A morte". Posso ler?Claro, faça o favor...Na terra, nos primeiros milhares ou milhões de anos / a Morte não havia. Não tinha que existir./ A auto-conservação feita por bipartição do corpo/ celular, mitose, não exigia a perda de qualquer porção da célula original.Pela crescente complexidade das formas de vida, /o aparecimento da Morte tornou-se evidente.Será comum em todo o Universo.No homem, a ideia da Morte/ e o seu significado afectivo, / deverá remontar a 50.000 anos,/ seguindo o desenvolvimento da sua faculdade inteligente/ e a sensibilidade que o define.
A existência da existência que não se entende.O tema da morte tem sido tratado ao longos dos tempos por muitos escritores, poetas, pintores. Já alguma vez reflectiu e abordou plasticamente a morte?Não, em termos de pintura, abordei através de outras expressões, designadamente através de um poema. Acho a morte uma coisa natural e, portanto, não penso nela. O que quer que lhe diga, só sei uma coisa: o nosso conhecimento actual leva-nos a um absurdo. Temos conhecimento de muito mais do que não podemos saber. Recordo apenas de ter tratado a questão da morte num poema que publiquei no livro "Vida/fenómenovivo" e a que dei mesmo o nome de "A morte". Posso ler?Claro, faça o favor...Na terra, nos primeiros milhares ou milhões de anos / a Morte não havia. Não tinha que existir./ A auto-conservação feita por bipartição do corpo/ celular, mitose, não exigia a perda de qualquer porção da célula original.Pela crescente complexidade das formas de vida, /o aparecimento da Morte tornou-se evidente.Será comum em todo o Universo.No homem, a ideia da Morte/ e o seu significado afectivo, / deverá remontar a 50.000 anos,/ seguindo o desenvolvimento da sua faculdade inteligente/ e a sensibilidade que o define.
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