quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Necessidades educativas: Nova lei pode acabar com as escolas especiais

Correio da Manhã

Ana, com 14 anos e fortes limitações cognitivas, andou no ensino Pré-escolar mais dois anos do que era suposto e ficou seis na escola regular, mas a sua evolução foi quase nula. Lidou de perto com a falta de acompanhamento de professores especializados e sentiu na pele as provocações dos colegas por ser “a matulona” da turma. Apesar de estar há dois anos no Externato Alfredo Binet, uma escola especial para crianças com deficiência, pode ser forçada a regressar à escola regular. Ana está entre os cerca de 1410 alunos em colégios de educação especial.

O Governo quer ver todos os alunos com necessidades educativas especiais integrados nas escolas públicas até 2009, mas muitos são os encarregados de educação que contestam esse plano.

Fátima e Alfredo Quintas, pais de Ana, recordam que nos anos que a filha passou na escola do 1.º Ciclo “mal se sentia a evolução”. “Era um atraso para a turma e a professora sentia isso”, diz a mãe.

A dificuldade no acompanhamento dos colegas foi também motivo para estes a porem de lado. “Nas brincadeiras as crianças nunca a escolhiam e ela sofria com isso.”

Ao entrar numa escola especial, aos 13 anos, Ana “cresceu em termos de amadurecimento e controla mais as condutas sociais”. Lê, escreve e mecanizou as rotinas do dia-a-dia. Apesar de reconhecer pontos positivos na nova lei, Fátima diz que faltam infra-estruturas. “Se a lei for aplicada, ela tem de voltar à 4.ª classe. Se já na altura era chamada matulona, então aos 15 anos a discriminação vai ser maior”, diz.

Fernando Magalhães tem uma filha com a mesma idade e tipo de problema de Ana. Conheceu todos os modelos de ensino: esteve num jardim-de-infância, frequentou a escola regular no 1.º Ciclo, esteve num colégio privado e é acompanhada no Colégio Eduardo Claparede, especializado no ensino especial. No ensino regular viu “pessoas dedicadas, generosas, mas desorientadas, que transmitiam uma carga de ansiedade por não estarem preparadas”.

Para este consultor, os pais devem poder optar. “Os nossos filhos já estiveram no ensino regular e não resultou.” E sublinha: “Imaginemos uma criança com desenvolvimento de 15 anos a ser integrada num 5.º ano, a lidar com alunos de dez anos. Isto não é inclusão.”

CONFAP GARANTE QUE INTERESSES DAS FAMÍLIAS ESTÃO GARANTIDOS

A Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) entende que não existem motivos que justifiquem a apreensão dos pais de alunos deficientes. “Não têm necessidade de se preocupar”, afirma Albino Almeida, presidente da Confap, garantindo que “tem a garantia do secretário de Estado da Educação de que todos estes casos serão tratados de modo a responderem aos interesses dos alunos e das famílias”.

Referindo-se à nova lei, Albino Almeida explica que “os alunos com deficiência vão estar integrados numa escola de referência situada junto a um centro de recursos com técnicos e equipamentos especializados” no acompanhamento de crianças com estas necessidades. “Os alunos com deficiência são integrados em turmas regulares mas têm um acompanhamento específico com técnicos”, afirma, sublinhando que “a inclusão não é pôr o aluno numa turma regular e não ser sempre a mesma pessoa a acompanhá-lo e a ajudá-lo com as refeições, como hoje acontece nos casos de multideficiência”.

No seu entender, “ao mudar o paradigma os recursos também têm de mudar”, pelo que os problemas que ocorreram no último ano lectivo – em que docentes sem formação especializada foram colocados pelo Ministério da Educação para leccionar no ensino especial – não se irão repetir. “Acreditamos que em 2009 a esmagadora maioria das situações já estará resolvida.”

O Ministério da Educação já anunciou a formação de 1875 docentes em áreas específicas do ensino especial ao longo deste ano lectivo. O secretário de Estado da Educação também disse que nenhuma criança do ensino especial terá de mudar de estabelecimento.

ESCOLAS ESPECIAIS PODEM DESAPARECER

Apesar de o Ministério da Educação prever o apoio das escolas de ensino especial ao trabalho desenvolvido pelos agrupamentos no ensino regular – através da criação de manuais, formação de técnicos e acompanhamento dos planos de recuperação – a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular teme que a nova lei dite o fim destes estabelecimentos. “Forçando os pais a integrar os alunos no ensino regular podem faltar alunos às escolas especializadas e os contratos estabelecidos com os agrupamentos podem não ser suficientes para garantir a sua subsistência no novo sistema”, assume João Alvarenga, presidente da associação. “Temo que a lei ponha em sério risco muitas escolas especializadas”, afirma.

Queirós e Melo, director executivo da mesma associação, vai mais além, dizendo que do plano de reorientação das escolas especiais, delineado pelo Ministério da Educação, pouco em concreto se sabe. “São castelos na areia”, diz. Sobre o futuro dos estabelecimentos, lembra que “é difícil dizer aos nossos técnicos que vão deixar de acompanhar as crianças para serem formadores”.

APONTAMENTOS

REMODELAÇÃO

Ao alterar a legislação, o Governo quer ver as escolas regulares darem resposta às necessidades dos alunos com deficiência. Para tal, prevê criar escolas de referência nas várias regiões, situadas ao lado de centros de recursos com técnicos com formação específica na área.

REDE EM PREPARAÇÃO

A rede de escolas de referência para alunos surdos e cegos, bem como de unidades especializadas em multideficiência e no apoio a alunos autistas, deve estar concluída no final deste ano lectivo. Até Fevereiro será conhecido o número de alunos com necessidades educativas especiais que irão determinar o número de vagas disponíveis para a colocação de docentes no ensino especial.

PROGRAMA ESPECIAL

Os alunos com deficiência terão, segundo o Governo, um programa educativo especial. Os alunos devem ser referenciados, por iniciativa dos pais, professores ou outros técnicos, e é então accionado um plano individual de transição.

CENTROS DE RECURSOS

A nova lei põe fim ao encaminhamento dos alunos com deficiência para escolas especiais e prevê a transformação destes espaços em centros de recursos que assegurem resposta educativa adequada a alunos com problemas complexos e apoiem escolas regulares no ensino especial.

NÚMEROS

Existem 2166 alunos em cooperativas de ensino e recuperação de crianças e instituições particulares de solidariedade social. Outras 1410 são acompanhadas pelos colégios de educação especial.

DOCENTES VÃO TER FORMAÇÃO

1500 docentes vão fazer formação em Educação Especial, 275 em Língua Gestual Portuguesa e 50 em braille.

MINISTRA TEM VERGONHA

“Se há área em que me envergonho como cidadã é esta. Prevaleciam todos os interesses menos os das crianças”, afirmou Maria de Lurdes Rodrigues.

ESTADO VAI APOIAR AS FAMÍLIAS

Para incentivar a ida às escolas de referência, o Governo vai apoiar o transporte e alojamento.

FENPROF DISCORDA

A Fenprof acusa o Ministério de “desrespeito às crianças e jovens com problemas cognitivos”. A crítica surgiu após a colocação irregular de 140 docentes.

CEGOS COM PORTÁTEIS

Os 677 alunos cegos ou com baixa visão deverão receber um computador portátil com ecrã táctil logo que o novo modelo esteja implementado.

REFORÇO DE TAREFEIRAS

As escolas da Guarda e Manteigas viram reforçado o número de horas das tarefeiras que asseguram o acompanhamento de crianças com deficiência.

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