Natércio Afonso, Universidade de Lisboa
1. O projecto de decreto-lei em apreciação define três objectivos estratégicos que suportam as mudanças propostas, e que estão explicitamente enunciados no preâmbulo, a saber: (1) “Reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino”; (2) “Reforçar a liderança das escolas”; (3) “Reforço da autonomia das escolas”.
2. Argumenta-se que a consecução desses objectivos será obtida através de alterações a introduzir na organização e gestão dos estabelecimentos, nomeadamente: (1) o aumento da representação parental e comunitária no órgão de direcção estratégica (agora denominado Conselho Geral), e a ampliação dos poderes deste órgão, em especial no que respeita à “eleição” do director e supervisão da sua actividade de gestão; (2) a criação do cargo de director, o seu recrutamento por via de um procedimento concursal, e o reforço dos seus poderes (presidência por inerência do Conselho Pedagógico, faculdade de designar os responsáveis pelas estruturas de gestão intermédia); (3) a ampliação da margem de manobra dos estabelecimentos na definição da sua organização interna, em função da especificidade do serviço de educação que prestam.
3. Na generalidade, concordo com os objectivos estratégicos apresentados pois considero que permitirão criar condições institucionais e organizacionais para a melhoria da qualidade da provisão da educação, nomeadamente através da associação entre uma maior autonomia de cada estabelecimento na forma como o serviço é assegurado, e um acréscimo de controlo social e de prestação contas quanto às soluções adoptadas e aos resultados obtidos.
4. Considero positivas as alterações formais propostas para concretizar os referidos objectivos. Parecem-me muito relevantes o reforço da participação parental e comunitária no órgão de direcção estratégica, o alargamento dos seus poderes, nomeadamente quanto à “eleição” do director, e a criação de uma comissão permanente que assegure uma efectiva supervisão da gestão dos estabelecimentos e da vida escolar em geral. Vejo vantagem na criação da figura do director com efectiva capacidade de decisão, com os recursos adequados e com a necessária autoridade institucional e autonomia de gestão para liderar com firmeza e eficácia o desenvolvimento de um projecto educativo consistente para o estabelecimento que dirige. Finalmente, entendo como muito relevante a intenção de limitar o enquadramento legal ao mínimo indispensável, alargando a margem de auto-organização dos estabelecimentos, como forma de assegurar condições de efectiva capacidade de direcção e de gestão por parte dos respectivos órgãos. A formatação institucional excessiva da organização e gestão dos estabelecimentos, expressa na lei, na regulamentação administrativa e na prática da burocracia da administração educacional, têm constituído um factor poderoso de ineficácia, de ineficiência, e de inibição da emergência de lideranças escolares de elevado potencial de inovação e criatividade.
5. Na especialidade, considero que devem ser reconsideradas e modificadas algumas soluções concretas adoptadas neste projecto de diploma ou recuperadas do diploma ainda em vigor. Estão neste caso os dispositivos previstos para o recrutamento do director, a previsão da participação de representantes de alunos e encarregados de educação no Conselho Pedagógico e a consideração do papel das autarquias locais.
6. No que respeita ao recrutamento do director, o dispositivo adoptado prevê um procedimento concursal desencadeado pelo Conselho Geral (artigo 22º) a que se segue um procedimento eleitoral (artigo 23º). Sou de parecer que a solução adoptada é geradora de ambiguidades e equívocos, em nada favorece a necessária transparência do processo de selecção, e tende a enfraquecer a autoridade e legitimidade do cargo. No limite, o procedimento concursal, onde não há lugar a reclamação, pode ser transformado numa formalidade irrelevante, repondo-se assim, por essa via, a lógica tradicional da eleição entre pares. Assim, considero que é de evitar qualquer referência a uma eleição, devendo a decisão do Conselho Geral revestir a forma de uma decisão de aprovação de uma proposta de nomeação, devidamente fundamentada, apresentada ao plenário pela comissão a que se refere o nº 4 do artigo 22º. Ainda sobre o procedimento concursal, e no sentido de reforçar a dimensão profissional da função de direcção, e por essa via a sua autonomia, considero que, nas condições de qualificação a que se refere o nº 4 do artigo 21º, a alínea a) (habilitação específica) seja identificada como uma condição necessária para a oposição ao procedimento concursal, e que as condições referidas nas alíneas b) e c) sejam entendidas como elementos a considerar na avaliação do curriculum vitae de cada candidato, nomeadamente nas situações, a considerar explicitamente como excepcionais, em que nenhum dos candidatos for portador de habilitação específica. Finalmente, a legitimidade técnica e política da função de direcção, e a autonomia do estabelecimento ficam simbolicamente prejudicadas pela tomada de posse do director perante o director regional, tal como se prevê no nº 1 do artigo 24º. Entendo ser mais adequada, e politicamente mais relevante, que a tomada de posse do director se concretize perante o presidente do Conselho Geral.
7. No que se refere ao Conselho Pedagógico, o diploma em apreciação define-o como “o órgão de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa” (artigo 32º). Trata-se portanto de uma instância de natureza essencialmente técnica de apoio à decisão da direcção estratégica (Conselho Geral) e da direcção operacional (director). As competências identificadas no artigo 34º configuram o Conselho Pedagógico como um órgão de garantia da qualidade técnico-pedagógica do serviço, na concepção e na aplicação das políticas aprovadas pelas instâncias de direcção. Assim, considero que não se justifica a participação de representantes dos pais e encarregados de educação e dos alunos neste órgão, e que ele deve ser constituído exclusivamente por profissionais (professores e outros técnicos de educação) enquanto representantes dos departamentos e das outras “estruturas de coordenação e supervisão pedagógica e de orientação educativa”. Entendo mesmo que a participação estudantil e parental neste órgão produz necessariamente o efeito perverso da desvalorização do papel e das competências do Conselho Geral. Sou portanto de parecer que a participação estudantil e parental, de natureza essencialmente representativa e política, se concentre no Conselho Geral, reservando-se para os conselhos de turma a participação que revista uma natureza essencialmente colaborativa na gestão da relação pedagógica. Como contrapartida, considero que deve ser ligeiramente aumentada a percentagem da participação de representantes dos pais e encarregados de educação no Conselho Geral (não podendo ser inferior a 25% ou mesmo a 30% da totalidade dos respectivos membros.
8. Quanto à representação das autarquias locais no Conselho Geral, a solução proposta no diploma retoma a situação actualmente em vigor, a qual considero ser fonte de ambiguidades e de resistências quanto a uma envolvimento eficaz dos municípios na administração da educação. De facto, a lógica da constituição do Conselho Geral pressupõe a valorização da participação da sociedade civil (nas dimensões parental e comunitária) na gestão local da educação, num quadro de fomento do controlo social da educação e de prestação de contas por parte das autoridades públicas responsáveis pela prestação do serviço. Num processo político de crescente envolvimento autárquico na administração da educação, pela via da transferência de competências da administração central, os municípios são já responsáveis directos pela provisão de algumas dimensões do serviço público de educação. Nestas circunstâncias não parece adequado que se insista numa representação autárquica no Conselho Geral. Tal representação tem sido fonte de equívocos pois atribui implicitamente ao município o estatuto de uma entidade da sociedade civil, obscurecendo o seu papel como entidade pública envolvida na provisão do serviço de educação. Assim, considero desadequada a previsão da manutenção da representação autárquica neste órgão, devendo ser eliminada. Sou de parecer que o envolvimento dos municípios na provisão local da educação se deve concretizar preferencialmente pela via da transferência de competências da administração central, e que a relação de cada estabelecimento com o respectivo município se deve canalizar pela via da representação (por exemplo, através do Presidente do Conselho Geral) no Conselho Municipal de Educação.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2008
Natércio Afonso, Universidade de Lisboa
1. O projecto de decreto-lei em apreciação define três objectivos estratégicos que suportam as mudanças propostas, e que estão explicitamente enunciados no preâmbulo, a saber: (1) “Reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino”; (2) “Reforçar a liderança das escolas”; (3) “Reforço da autonomia das escolas”.
2. Argumenta-se que a consecução desses objectivos será obtida através de alterações a introduzir na organização e gestão dos estabelecimentos, nomeadamente: (1) o aumento da representação parental e comunitária no órgão de direcção estratégica (agora denominado Conselho Geral), e a ampliação dos poderes deste órgão, em especial no que respeita à “eleição” do director e supervisão da sua actividade de gestão; (2) a criação do cargo de director, o seu recrutamento por via de um procedimento concursal, e o reforço dos seus poderes (presidência por inerência do Conselho Pedagógico, faculdade de designar os responsáveis pelas estruturas de gestão intermédia); (3) a ampliação da margem de manobra dos estabelecimentos na definição da sua organização interna, em função da especificidade do serviço de educação que prestam.
3. Na generalidade, concordo com os objectivos estratégicos apresentados pois considero que permitirão criar condições institucionais e organizacionais para a melhoria da qualidade da provisão da educação, nomeadamente através da associação entre uma maior autonomia de cada estabelecimento na forma como o serviço é assegurado, e um acréscimo de controlo social e de prestação contas quanto às soluções adoptadas e aos resultados obtidos.
4. Considero positivas as alterações formais propostas para concretizar os referidos objectivos. Parecem-me muito relevantes o reforço da participação parental e comunitária no órgão de direcção estratégica, o alargamento dos seus poderes, nomeadamente quanto à “eleição” do director, e a criação de uma comissão permanente que assegure uma efectiva supervisão da gestão dos estabelecimentos e da vida escolar em geral. Vejo vantagem na criação da figura do director com efectiva capacidade de decisão, com os recursos adequados e com a necessária autoridade institucional e autonomia de gestão para liderar com firmeza e eficácia o desenvolvimento de um projecto educativo consistente para o estabelecimento que dirige. Finalmente, entendo como muito relevante a intenção de limitar o enquadramento legal ao mínimo indispensável, alargando a margem de auto-organização dos estabelecimentos, como forma de assegurar condições de efectiva capacidade de direcção e de gestão por parte dos respectivos órgãos. A formatação institucional excessiva da organização e gestão dos estabelecimentos, expressa na lei, na regulamentação administrativa e na prática da burocracia da administração educacional, têm constituído um factor poderoso de ineficácia, de ineficiência, e de inibição da emergência de lideranças escolares de elevado potencial de inovação e criatividade.
5. Na especialidade, considero que devem ser reconsideradas e modificadas algumas soluções concretas adoptadas neste projecto de diploma ou recuperadas do diploma ainda em vigor. Estão neste caso os dispositivos previstos para o recrutamento do director, a previsão da participação de representantes de alunos e encarregados de educação no Conselho Pedagógico e a consideração do papel das autarquias locais.
6. No que respeita ao recrutamento do director, o dispositivo adoptado prevê um procedimento concursal desencadeado pelo Conselho Geral (artigo 22º) a que se segue um procedimento eleitoral (artigo 23º). Sou de parecer que a solução adoptada é geradora de ambiguidades e equívocos, em nada favorece a necessária transparência do processo de selecção, e tende a enfraquecer a autoridade e legitimidade do cargo. No limite, o procedimento concursal, onde não há lugar a reclamação, pode ser transformado numa formalidade irrelevante, repondo-se assim, por essa via, a lógica tradicional da eleição entre pares. Assim, considero que é de evitar qualquer referência a uma eleição, devendo a decisão do Conselho Geral revestir a forma de uma decisão de aprovação de uma proposta de nomeação, devidamente fundamentada, apresentada ao plenário pela comissão a que se refere o nº 4 do artigo 22º. Ainda sobre o procedimento concursal, e no sentido de reforçar a dimensão profissional da função de direcção, e por essa via a sua autonomia, considero que, nas condições de qualificação a que se refere o nº 4 do artigo 21º, a alínea a) (habilitação específica) seja identificada como uma condição necessária para a oposição ao procedimento concursal, e que as condições referidas nas alíneas b) e c) sejam entendidas como elementos a considerar na avaliação do curriculum vitae de cada candidato, nomeadamente nas situações, a considerar explicitamente como excepcionais, em que nenhum dos candidatos for portador de habilitação específica. Finalmente, a legitimidade técnica e política da função de direcção, e a autonomia do estabelecimento ficam simbolicamente prejudicadas pela tomada de posse do director perante o director regional, tal como se prevê no nº 1 do artigo 24º. Entendo ser mais adequada, e politicamente mais relevante, que a tomada de posse do director se concretize perante o presidente do Conselho Geral.
7. No que se refere ao Conselho Pedagógico, o diploma em apreciação define-o como “o órgão de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa” (artigo 32º). Trata-se portanto de uma instância de natureza essencialmente técnica de apoio à decisão da direcção estratégica (Conselho Geral) e da direcção operacional (director). As competências identificadas no artigo 34º configuram o Conselho Pedagógico como um órgão de garantia da qualidade técnico-pedagógica do serviço, na concepção e na aplicação das políticas aprovadas pelas instâncias de direcção. Assim, considero que não se justifica a participação de representantes dos pais e encarregados de educação e dos alunos neste órgão, e que ele deve ser constituído exclusivamente por profissionais (professores e outros técnicos de educação) enquanto representantes dos departamentos e das outras “estruturas de coordenação e supervisão pedagógica e de orientação educativa”. Entendo mesmo que a participação estudantil e parental neste órgão produz necessariamente o efeito perverso da desvalorização do papel e das competências do Conselho Geral. Sou portanto de parecer que a participação estudantil e parental, de natureza essencialmente representativa e política, se concentre no Conselho Geral, reservando-se para os conselhos de turma a participação que revista uma natureza essencialmente colaborativa na gestão da relação pedagógica. Como contrapartida, considero que deve ser ligeiramente aumentada a percentagem da participação de representantes dos pais e encarregados de educação no Conselho Geral (não podendo ser inferior a 25% ou mesmo a 30% da totalidade dos respectivos membros.
8. Quanto à representação das autarquias locais no Conselho Geral, a solução proposta no diploma retoma a situação actualmente em vigor, a qual considero ser fonte de ambiguidades e de resistências quanto a uma envolvimento eficaz dos municípios na administração da educação. De facto, a lógica da constituição do Conselho Geral pressupõe a valorização da participação da sociedade civil (nas dimensões parental e comunitária) na gestão local da educação, num quadro de fomento do controlo social da educação e de prestação de contas por parte das autoridades públicas responsáveis pela prestação do serviço. Num processo político de crescente envolvimento autárquico na administração da educação, pela via da transferência de competências da administração central, os municípios são já responsáveis directos pela provisão de algumas dimensões do serviço público de educação. Nestas circunstâncias não parece adequado que se insista numa representação autárquica no Conselho Geral. Tal representação tem sido fonte de equívocos pois atribui implicitamente ao município o estatuto de uma entidade da sociedade civil, obscurecendo o seu papel como entidade pública envolvida na provisão do serviço de educação. Assim, considero desadequada a previsão da manutenção da representação autárquica neste órgão, devendo ser eliminada. Sou de parecer que o envolvimento dos municípios na provisão local da educação se deve concretizar preferencialmente pela via da transferência de competências da administração central, e que a relação de cada estabelecimento com o respectivo município se deve canalizar pela via da representação (por exemplo, através do Presidente do Conselho Geral) no Conselho Municipal de Educação.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2008
Natércio Afonso, Universidade de Lisboa
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