domingo, 9 de março de 2008

Leonel Moura



« Ciência é muito mais excitante do que muita da arte ou cultura de hoje»
A «robótica» de Leonel Moura contada numa espécie de perfil:: 2008-03-08 Por Marta F. Reis
O atelier de Leonel Moura, num pátio perto da Rua das Janelas Verdes, em Lisboa, não tem nada a ver com o espaço que há uns anos queria que fosse governado por uma mulher má e eficiente, com muitos assistentes, para nunca ter de lá ir. É luminoso, meio arrumado e, confessa, é quase como uma casa. Aos 59 anos, ideias à frente do tempo e circunstâncias que diz terem tido a ver com persistência, vontade de aprender e alguma sorte, traduzem-se numa obra no mínimo singular: 13 livros, 12 robots e uma nova Árvore da Vida, entre outras telas, instalações e projectos de arquitectura. "Sou um artista", resume-se. Mas sabe que não é um artista qualquer. Foi dos primeiros a procurar a arte no campo da robótica ou, por outras palavras, a aplicar a robótica à arte. Fala dos seus "robots pintores" com orgulho e desprendimento até porque, faz questão de frisar, a arte é deles e não sua.
Quando se escreve um manifesto sobre arte simbiótica, como Leonel Moura fez em 2004 com Henrique Garcia Pereira, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, as expectativas são abrir novos horizontes e fazer história. Mas afirmações como "as máquinas podem fazer arte", ou a expressão pessoal, a centralidade do artista e as pretensões moralistas e espirituais ligadas à produção artística podem (finalmente) ser abandonados acabariam por chocar algumas pessoas. Leonel explica que o caminho percorrido mostrava que havia adeptos e entusiasmo suficiente para compensar os desagradados, mesmo que a questão da crítica nunca tivesse sido crucial na decisão de seguir uma abordagem completamente nova e com um lado provocador. Nos anos 70 começou a largar os trabalhos ligados à fotografia e optou decididamente por uma componente conceptual da arte, deixando para segundo plano o lado manual e artesanal e as expressões de sentimentos. "Sempre fui muito mais um artista da mente, do pensar, de utilizar imagens já feitas fora do seu contexto". Daí a começar a ligar a arte a outros campos não demorou. O lado auto-didacta, curioso e empreendedor levou-o a investidas na arquitectura, política e por fim na ciência.
"Afastei-me do meio artístico e comecei a ligar-me à ciência"
"Convidei uma série de pessoas importantes na altura para virem a Portugal, por exemplo o Humberto Maturana. Eu já sabia, mas através da organização destes eventos percebi que a ciência se tinha tornado numa coisa fascinante e não numa coisa chata, como os artistas tendiam a vê-la. Apercebi-me de que a ciência era muito mais excitante do que muita da arte ou cultura de hoje que é repetitiva, sempre à volta das mesmas coisas, sem grande inovação. Afastei-me do meio artístico e comecei a ligar-me à ciência", explica.
A viragem nunca faria dele cientista mas também não era por aí que queria ir. No campo da robótica e da inteligência artificial não precisou de cursos superiores para tudo o que aprendeu mas de boas ferramentas, muitas delas na Internet, e da motivação e trabalho de alguns especialistas. A abordagem que queria fazer da ciência era pioneira. Não tinha a ver com ilustração científica, nem com a construção de dispositivos tecnológicos para uso próprio, mais máquinas fotográficas ou técnicas de impressão. Era o fim disso tudo: Queria concretizar conceitos científicos na arte. Se alguns artistas não perceberam, a comunidade científica percebeu bem. Eram os primeiros passos mundiais da arte robótica. Com base em estudos matemáticos sobre formigas e outros insectos de organização social, Leonel Moura quis desenvolver robots que funcionassem e pusessem efectivamente em prática os algoritmos desenvolvidos pelos cientistas. Os primeiros robots que fez reproduziam a comunicação por feromonas destes insectos num mecanismo em que o "químico" era substituído por cor.
Os trilhos de feromonas, que na realidade descreviam por exemplo as movimentações das formigas, na tela em branco ganhavam a forma de padrões e traços de cor. Emergia arte, pinturas abstractas em que a configuração embora parecesse aleatória não tinha nada de casual – resultava de uma "técnica de composição criativa optimizada por milhões de anos", escreve no seu último livro "Robotorium", que reúne todo o seu trabalho e estudo na área da robótica. Estes primeiros robots, que designou por ArSBot ou robot formiga pintor, foram o primeiro projecto de arte robótica com uma forte componente de criatividade e autonomia. "Não deixa de ser um processo criativo. Evidentemente que um artista que pinta uma tela e depois a assina tem o trabalho terminado. No meu caso as coisas são mais dinâmicas, embora se produzam pinturas estáticas. Depois há estímulos da própria arte: O robot questiona-me, coloca-me problemas, faz coisas que me levam a pensar porque é que ele estará a fazer aquilo", diz.
O RAP que correu MundoA experiência foi um sucesso. Passado um ano recebeu uma proposta do Museu de História Natural de Nova Iorque para fazer um robot-pintor que pudesse ficar sozinho, dentro de uma vitrina, a pintar tela atrás de tela. A concretização viria em 2006, com o RAP, um robot com elevada autonomia que acabou por correr o mundo. Um dos exemplares, que acabou mesmo por ficar a viver em Nova Iorque, continua a trabalhar hoje sem dar grandes problemas.
Só pinta quando as pessoas estão a ver (é activado por sensores), tanto pode demorar cinco minutos como uma semana a ficar "satisfeito" com a tela e a dar por terminado o seu trabalho e raramente se avaria, até porque também não teria ninguém para resolver o problema, conta Leonel. Os principais adeptos são os seguranças do museu, brinca, que os activam sem querer e às vezes de propósito durante as rondas de vigilância. Depois do RAP, seguiram-se outros projectos como o ISU, um robot que pinta e escreve mediante inputs de frases, o Dada 2.0 Robot iconoclasta ou, no último ano, o Robotarium, o primeiro jardim zoológico de vida artificial do mundo, uma estrutura de vidro com 45 habitantes representantes de 14 espécies que dá um ar futurista ao jardim central de Alverca. As recompensas são muitas e variadas. Uma das primeiras foi quando, em Berlim, numa viagem de divulgação do seu trabalho, alguém quis efectivamente comprar uma tela pintada por um robot pintor. Nunca tinha pensado nisso, nem sabia que valor dar ao quadro. Depois ter algumas das telas dos seus robots a ser capa de revistas científicas, como aconteceu mais uma vez este ano na revista do MIT "Artificial Life", é outro motivo de satisfação. Os exemplos continuariam.
"A programação é uma espécie de anti-programação"
"Põem-me questões como 'mas foi você que programou…'. Eu tenho alguma dificuldade em explicar que a programação é uma espécie de anti-programação, é uma programação que dá o máximo de autonomia ao robot e o mínimo de interferência minha", explica Leonel. "Aqui a novidade e o interesse é uma máquina que faça a arte dela, com as características do seu pequeno 'cérebro' e da forma como vê o mundo. Os robots são pequenos computadores capazes de situar no mundo. Um robot sai do sítio, decide em função do que observa", acrescenta. Há mais de dez anos dizia numa entrevista que não queria que a sua arte ficasse conhecida por não ter tido nada a ver com o mundo. A preocupação manteve-se. "O que tenho feito é anunciar coisas que vêm aí. No campo da robótica é evidente que dentro de algum tempo vamos andar rodeados de robots, a fazer as mais variadas coisas e com graus de autonomia diferenciados. Basta perceber que estão milhares e milhares de pessoas a pensar nisto mundo, empresas a fazer grandes investimentos. Quando digo que um robot faz arte é uma coisa muito poderosa. As coisas quando começam são sempre muito rudimentares, mas percebemos para onde é que estamos a ir", antecipa. A travar a evolução, sobretudo na arte, vê uma série de pressupostos errados que têm de ser postos de parte. É contra as ideias simplistas para explicar coisas complexas e contra as novidades que não são novidades porque não adiantam nada. Em suma, recusa fazer parte do campeonato da arte pela arte.
"Continuo a visitar museus, exposições e continuo a dar-me com artistas e muitas vezes sinto-me um pouco decepcionado. É verdade que a nossa capacidade de apreciar arte não se pode limitar à arte do nosso tempo. Mas se estamos a falar sobre arte contemporânea, sobre uma arte que evolui, que transforma, a questão é outra", defende. "Costumo dizer uma frase que é meio a gozar: é sempre melhor pintar um quadro que vender armas. Não tenho nada contra as pessoas que pintam quadros com pescadores e com paisagens mas não é aí que quero estar", brinca.
Vontade de abrir portasSe há coisa que o tem acompanhado ao longo da carreira é a vontade de abrir portas, mostrar horizontes, ajudar a ver a realidade. Dos livros que publicou, alguns não têm nada a ver com arte ou ciência. É obcecado mas não é obsessivo, afirma, porque há outras preocupações no mundo. Entrou para o Partido Socialista porque se considera uma pessoa de esquerda. "De esquerda no sentido em que acho que uma pessoa de esquerda não está feliz sem ver os outros felizes. O facto de haver muita miséria, guerra, fome são coisas que me impressionam muito, que me tocam", diz. Escreve todas as semanas um artigo de opinião para o "Jornal de Negócios" e segue naturalmente os problemas do dia-a-dia, embora diga que hoje vive mais na Internet do que em Portugal. Em Novembro do ano passado montou uma galeria na Rua das Janelas Verdes. A Leonel Moura ARTe, aberta de terça a sábado, da parte da tarde, faz a ponte do atelier para o público. Neste momento mostra uma colecção de telas de artistas como Kandinsky, Andy Warhol ou Van Gogh interpretadas por diferentes robots que criaram padrões sobrepostos.
Quer deixar uma marca na robótica, à escala do artista que é e do cientista que não é. Vem com os mini-robots em que tem estado a trabalhar nas mãos como se fossem mesmo animais pequenos, indefesos mas com um talento especial. São robots-bactérias quase, como lhes chama. E mostra no livro a família a que pertencem na Árvore da Vida, no ramo dos "Robota". "É uma provocação", diz. O futuro talvez mostre que não. A sua maior preocupação neste momento é criar pequenos robots vivos, com a vida deles. Não deixa de ser arte.

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