domingo, 9 de março de 2008


Maria Emília Costa é professora e investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e o tema da educação para a sexualidade tem ocupado uma parte significativa do seu trabalho. Nesta curta entrevista, defende que a política para o sector não se resolve através de medidas avulsas e que a criação de um disciplina não mudará o essencial. Na sua opinião, "mais do que dar respostas é necessário questioná-las".


Qual é o seu comentário ao actual modelo de educação para a sexualidade nas escolas portuguesas?

A actual política de educação para a sexualidade não passa, na minha opinião, de um pequeno remendo numa manta que está toda ela a romper. Apesar de existir um pedido explícito da sociedade portuguesa para que as questões associadas à sexualidade sejam abordadas nas escolas portuguesas, e de em algumas delas existir uma intervenção específica neste domínio, de uma forma geral ela passa ao lado da instituição escolar.

Não será necessário alargar o debate?

Esta questão está mais do que debatida e os responsáveis políticos sabem perfeitamente o que devem fazer. Não se faz por uma questão económica e porque se prefere fazer reformas rápidas para se mostrar serviço. E esta não é, definitivamente, uma questão que se resolva com medidas avulsas. Mas anunciar a criação de uma disciplina tem mais impacto na opinião pública, toda a gente fica mais descansada porque o problema está aparentemente resolvido e não se pensa nas questões de fundo.

Qual é, na sua opinião, a forma mais adequada para a abordar?

Em primeiro lugar, considero que não se pode abordar a educação para a sexualidade apenas na adolescência. Ela deve começar logo pela educação pré-escolar, já que é durante o período de crescimento que cada indivíduo vai integrando conhecimentos e formas de se relacionar. E a sexualidade tem essencialmente a ver com relações, com o respeito por si próprio e pelo outro.Em segundo lugar, é necessário que os educadores estejam preparados para responder às questões que são colocadas pelas crianças de uma forma verdadeira, objectiva e acessível à sua compreensão. Enquanto não houver uma formação dos adultos nesta área, a educação para a sexualidade não pode ter lugar de uma forma séria. Por outro lado, continua a confinar-se a educação para a sexualidade a questões meramente informativas, nomeadamente sobre o corpo, as doenças sexualmente transmissíveis e a contracepção, que, apesar de serem importantes, não são suficientes. É preciso pensar que quando chegam à adolescência os jovens devem ser eticamente responsáveis por si próprios e pelos outros.

Concorda com a criação de uma disciplina com avaliação própria ou com a manutenção de uma formação transversal?

O ideal seria uma formação transversal, porque os jovens já têm a informação, o que falta é integrá-la.A criação de uma disciplina direccionada para as questões da saúde e da sexualidade com uma avaliação própria não me parece ser o melhor caminho. Temo que resultaria no mesmo que se passa em relação aos testes escritos: iam decorar uma série de conhecimentos, mas duvido que os integrassem na aprendizagem. Memorizar conhecimentos não serve de nada se as pessoas não sentirem motivação para eles.

O facto de a formação nas escolas estar entregue a mais do que uma entidade não trará incongruências a um processo que se espera coerente?

Mais do que formular juízos de valor sobre as entidades responsáveis pela formação nas escolas, eu gostaria de pensar que a formação dada aos jovens e aos professores deveria ser baseada em valores que não fossem impostos e permitissem aos adolescentes reflectir sobre eles. Durante o período de crescimento é necessário confrontarmos os jovens com diferentes valores para que sejam eles a construir a sua própria identidade. É importante falar do aborto e da contracepção, mas sem necessariamente tomar-se posição sobre eles.

Há quem afirme que esta política de "distribuir o mal pelas aldeias" revela, de certa forma, uma desresponsabilização do governo face a esta questão. É também essa a sua opinião?

Sim. E devo dizer que essa desresponsabilização não se limita à área da sexualidade. A maioria das escolas, por exemplo, não tem o apoio de um psicólogo, e quando este existe não têm mãos a medir para dar resposta a todas as necessidades que se lhe deparam: ajudar a resolver problemas de aprendizagem, de relacionamento interpessoal, de sexualidade, etc. O psicólogo é visto como uma espécie de bombeiro que apaga o fogo e está o problema resolvido. Mas não é essa a sua função. As escola precisam de equipas multidisciplinares, que incluissem um psicólogo e outros técnicos, de forma a abordar estas questões transversalmente.

Acusa-se muitas vezes os professores de não estarem preparados para lidar com a educação para a sexualidade pelo facto de se sentirem constrangidos ou de esta poder interferir com os seus valores pessoais.Qual é a sua opinião?

Os professores estão preparados para dar educação para a sexualidade se perceberem do que ela trata. A maioria das pessoas continua convencida que a educação para a sexualidade se resume a questões da genitalidade, mas ela não pode limitar-se a esse aspecto.Quando um aluno diz um disparate na sala de aula - como chamar maricas a um colega - ou se levanta uma qualquer questão relacionada com este tema, o professor podia e devia aproveitar essa oportunidade de um modo construtivo para levantar questões e debatê-las na sala de aula. Isso também é uma forma de educar para a sexualidade. No fundo, esta é uma questão eminentemente pedagógica e penso que mais do que dar respostas é necessário questioná-las.

Sem comentários: